Título: Companhias terão de melhorar dados sobre impacto da lei
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2008, Empresas, p. B1

As empresas terão de melhorar as informações apresentadas ao mercado sobre o impacto da mudança da legislação contábil brasileira ao longo do ano. O Valor pesquisou o balanço de 81 companhias abertas e apenas seis trouxeram uma estimativa do efeito das alterações nas regras sobre seus resultados de 2008.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) avalia que os dados oferecidos pelas empresas ficaram aquém da expectativa. O superintendente de normas contábeis da autarquia, Antônio Carlos Santana, contou que haverá uma orientação para que as empresas, ao longo dos balanços trimestrais, apresentem mais e melhores informações sobre os impactos da nova lei sobre seus números.

Quando divulgou esse entendimento, a CVM também pediu que as empresas informassem, em nota explicativa, a mudança da lei e apresentassem uma estimativa dos principais reflexos do novo cenário em seu patrimônio e lucro líquido. Porém, como tal informação é facultativa, pouquíssimas foram as companhias que prestaram tal esclarecimento.

A nova lei contábil brasileira, a 11.638, foi sancionada em 28 de dezembro e é válida a partir deste ano. A autarquia entende que as companhias só terão de fazer a demonstração financeira completa de 2008 pela nova lei, com publicação prevista até 30 de março de 2009. Os balanços trimestrais, denominados ITRs, não precisam estar adaptados.

A legislação coloca o Brasil definitivamente na rota de convergência do padrão internacional, conhecido pela sigla IFRS. Além de já promover mudanças nessa direção, a lei atribui à CVM a responsabilidade pelas normas contábeis brasileiras. As instruções da autarquia seguirão as normas internacionais.

Santana acredita que ao longo do ano, conforme a CVM divulgar normas detalhando a aplicação da nova lei, as empresas terão melhores condições de dar mais informações. "A gente não queria um número exato. De certa forma, faltou um pouco de esforço."

Na próxima semana, o regulador deverá divulgar, em conjunto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a agenda de trabalhos para este ano, com as normas a ser emitidas para atender às demandas da lei 11.638. Santana acredita que serão necessárias, neste ano, entre seis a dez instruções.

Ele reiterou que os primeiros temas a ser regulados serão aqueles que já são alterados, de forma geral, pela legislação. Isso porque as empresas precisam da regra ainda neste ano para poder aplicá-la ao balanço de 2008.

Apesar da decepção, o superintendente da CVM avalia que as companhias agiram de forma conservadora devido ao prazo apertado que tiveram para fornecer a estimativa solicitada. Por isso, acredita que a qualidade dos dados melhorará nos balanços trimestrais, pois haverá mais tempo para digerir as mudanças.

O ex-presidente da CVM Marcelo Trindade disse que compreende a decisão das companhias de fornecerem poucos dados. "O prazo foi muito apertado. Eu, nessa situação, faria o mesmo. Melhor dizer que está avaliando do que dar uma expectativa errada."

As únicas empresas que publicaram dados mais completos sobre as alterações foram Vale do Rio Doce, Contax, Indústrias Romi, Caixa Consórcios, Gafisa e Banco ABC Brasil. As três últimas disseram acreditar que não haverá impacto significativo nos números.

Importante ressaltar que o grupo Gerdau foi o único a já apresentar balanço completo em IFRS. Antes mesmo da nova lei, no ano passado, a CVM já havia determinado que a partir de 2010 as companhias terão de publicar o balanço consolidado pelo padrão internacional. A autarquia abriu a possibilidade também para aquelas que quisessem se antecipar na adoção da regra estrangeira que deve se tornar universal. Mas as demonstrações financeiras individuais dependiam da lei.

A Vale do Rio Doce não informou como ficariam seus principais números de 2007 com as mudanças, mas destacou as linhas que seriam mais afetadas: amortização de ágio de empresas adquiridas e o tratamento da variação cambial sobre os investimentos no exterior. No caso da Contax, o lucro líquido de 2007 subiria de R$ 53,9 milhões para R$ 57,1 milhões. O passivo da empresa aumentaria em cerca de R$ 45,6 milhões, para R$ 453,2.

A Romi prestou o mais completo de todos os esclarecimentos observados. Trouxe em tabela os efeitos sobre os números de 2007 e 2006 para a controladora e no balanço consolidado: diminuição do imobilizado líquido e outros investimentos; redução do investimento em controladas; redução no patrimônio líquido; corte no passivo de curto e longo prazo; e aumento do resultado líquido. O patrimônio consolidado cairia R$ 28,9 milhões, para R$ 521,4 milhões, e o lucro subiria R$ 1,5 milhão, para R$ 110,5 milhões.

O presidente da Deloitte no Brasil, Alcides Hellmeister Filho, destacou que, em alguns casos, é realmente muito difícil estimar o impacto, uma vez que faltam as regras da CVM detalhando a aplicação da legislação. Esse, inclusive, foi o principal argumento apresentado pelas companhias para a falta de estimativas.

A grande maioria das notas diz que a administração está avaliando os efeitos das mudanças, mas que ainda é cedo para estimar, até mesmo porque a aplicação da lei depende de normatização CVM.

Marcos Venicio Sanches, sócio da BDO Trevisan, diz que sua orientação aos clientes foi para esperar a regulamentação. "Como a CVM deixou opcional e a mensuração dos efeitos é complexa, preferimos aguardar definições."