Título: Empresas
Autor: Terhune, Chad ; Grow , Brian
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2008, Empresas, p. B2

Um novo e temível jogador entrou na batalha que há muito se desenha entre seguradoras de saúde e fornecedores de assistência médica sobre quanto deve ser pago pelos procedimentos médicos. O promotor-geral de Nova York, Andrew Cuomo, anunciou no mês passado o resultado de uma investigação de seis meses de seu escritório. Concluiu que as maiores seguradoras de saúde dos Estados Unidos defraudaram de forma sistemática os consumidores do Estado ao estabelecer tarifas de reembolso artificialmente baixas para a assistência prestada fora de sua rede de cobertura. Cuomo emitiu ordens de comparecimento em juízo para 16 seguradoras e pretende processar o gigante do setor UnitedHealth Group.

Apesar de a investigação de Cuomo centrar-se na Ingenix, unidade da UnitedHealth e maior fornecedora de informações sobre preços de assistência médica nos EUA, especialistas advertem que os problemas de reembolso assolam todo o setor. "Temos uma anarquia de preço em assistência médica", diz o professor Alan Sager, que ensina políticas de saúde na Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston. "Cuomo derrubou [apenas] uma árvore em toda uma floresta."

Alguns dos confrontos mais ferozes sobre preço envolvem seguradoras menores, que atendem diretamente pessoas físicas e não a grandes empregadores. São empresas como a Medical Savings Insurance, de Indianápolis, que tem capital fechado e teve apenas US$ 44,5 milhões em prêmios no ano passado. Como muitos outros pequenos planos de saúde, a Medical Savings evita o mercado de Nova York, onde as seguradoras são proibidas de rejeitar clientes por motivos de saúde.

A empresa provocou vários ataques de raiva nos 33 Estados nos quais possui licença para vender planos. Quando Nancy Smythe, artista e professora de 62 anos em Stuart, na Flórida, foi tratada de câncer uterino em 2003, recebeu uma conta de hospital de US$ 25.492. Depois de pagar US$ 2,5 mil dedutíveis, ela imaginou que a Medical Savings cobriria o resto. A seguradora, no entanto, determinou que a cobrança "razoável e habitual" era de apenas US$ 4.873 e enviou um cheque nesse valor. O hospital rejeitou o pagamento parcial e demandou que Smythe pagasse o valor restante. "Senti-me presa entre dois órgãos em guerra", afirma Smythe. A Medical Savings chegou a acordo com o hospital depois de Smythe entrar com processo na Flórida por quebra de contrato.

Da mesma forma, Sheri Blackwell, de Campobello, Carolina do Sul, passou cinco dias em um hospital depois de pegar pneumonia em 2005, recebendo uma conta de US$ 24.666. O hospital recusou o pagamento da Medical Savings, de US$ 16.472. Agora, Blackwell precisa fazer pagamentos mensais da dívida, enquanto seu processo contra a Medical Savings por quebra de contrato está pendente em juízo federal de primeira instância, em Spartanburg, Carolina do Sul.

O presidente do conselho de administração da Medical Savings, J. Patrick Rooney, é um proeminente empresário republicano, pioneiro no uso das contas de poupança de saúde (HSA, em inglês, nas quais não se cobra imposto de renda) que foram posteriormente acolhidas pelo governo Bush. Ele argumenta que sua empresa está do lado dos consumidores na luta contra o preço excessivo cobrado pelos hospitais. Diz não estar a par dos detalhes dos processos de consumidores contra sua empresa, mas acusa os hospitais de "manipular deliberadamente" os preços de procedimentos médicos muito além dos custos verdadeiros. Rooney sustenta que a prática tradicional das seguradoras de comparar as taxas dos hospitais da região para determinar o que seria razoável é equivocada, porque estes "têm consultores mostrando-lhes como elevar preços".

A Medical Savings sustenta que quebra esse esquema ao basear seus reembolsos no que a Medicare, programa federal de assistência médica para idosos nos EUA, paga aos fornecedores dos serviços, com um acréscimo de 25%. A empresa terá uma nova política, na qual o acréscimo será de 30%. "O motivo para isso é posicionar-se junto ao lado mais generoso", diz Rooney. Em 2006, a Associação de Hospitais dos EUA recomendou que os pacientes de baixa renda sem seguro sejam cobrados pelo valor do Medicare mais 25%. Os hospitais, no entanto, rotineiramente cobram dos planos de saúde o triplo ou quádruplo para compensar os baixos pagamentos do governo e a assistência beneficente.

Os defensores das seguradoras argumentam que seus métodos têm êxito no que mais importa: manter os custos baixos. Karen Ignagni, presidente e executiva-chefe da associação setorial Planos de Seguro-Saúde dos EUA disse, em comunicado, que em 2006 os "prêmios de seguro-saúde (pagos pelos clientes às seguradoras) tiveram a menor taxa de crescimento em dez anos, graças à contenção de custos dos planos e estratégias de melhora de qualidade".

O UnitedHealth Group destaca que está cooperando com a investigação da promotoria e garante que a base de dados Ingenix oferece informações consistentes e transparentes sobre custos de assistência médica aos consumidores, seguradoras e fornecedoras.

Sem mais orientações das autoridades reguladoras, sobrou para os tribunais decidirem as disputas da Medical Savings, pouco a pouco. E, ultimamente, vêm julgando a favor dos hospitais. Um tribunal federal em Fort Myers, Flórida, concedeu ao Lee Memorial Health System quase US$ 260 mil no ano passado, referentes às contas não pagas de 19 clientes da Medical Savings. Um tribunal do Arizona julgou em agosto que o Banner Health, um grande sistema hospitalar na área de Phoenix, não tinha de aceitar o pagamento parcial da Medical Savings e que os fortes descontos negociados com outros planos de seguro não significavam que seus preços integrais não fossem "razoáveis".

Seja qual for o resultado, a investigação de Cuomo deverá trazer mais clareza para essa notória problemática. "Este problema é difícil de resolver porque se refere a comportamentos que estão encobertos e são complicados e recorrentes", afirma Sager, da Universidade de Boston. Tim Ryles, ex-comissário da área de seguros na Georgia e, atualmente, consultor sobre a regulamentação do setor em Atlanta, observa que a questão já deveria ter sido abordada há muito tempo.