Título: TI busca habilidades femininas para a gestão
Autor: Giardino , Andrea
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2008, EU & Carreira, p. D6

Apesar de ser uma história inusitada, seja pelo fato do marido largar tudo e apoiar a esposa ou por ela alcançar uma posição importante em uma área onde os homens são maioria, sua história ilustra uma mudança que começa a acontecer no mundo corporativo. Ao contrário do que se via no passado, as mulheres vêm quebrando barreiras no mercado de tecnologia da informação (TI).

Elas invadiram um espaço eminentemente masculino, ocupando até postos de chefia em grandes companhias. Dados da Catho Online mostram que em TI o sexo feminino já representa 16% do quadro de funcionários no Brasil. Ainda uma fatia pequena, mas que cresce ano a ano. Na Microsoft Brasil, por exemplo, as mulheres são 26% de um total de 520 empregados. "Apesar desse índice não ter variado muito nos últimos anos, é uma meta da organização mudar esse quadro", afirma Elisa Furusho, diretora de RH da empresa.

Na EDS, que possui 10 mil funcionários no país, elas chegam a 45% da folha e representam 25% dos postos de chefia. Número que vem crescendo nos últimos três anos, segundo Patricia Franzini, diretora de RH da companhia para América Latina. Apesar dos avanços, a empresa criou um programa que visa preparar as profissionais consideradas potenciais líderes. "A iniciativa envolve mulheres que estão em funções intermediárias, de média gerência ou que possuem formação técnica, mas com alto grau de especialização".

Na opinião de Elaine Saad, gerente-geral da Right Management, consultoria especializada em transição de carreira, alguns fatores explicam esse novo cenário. "Este é um mercado que passou a exigir dos profissionais uma visão de negócios, além de habilidades comportamentais muito próximas do perfil da mulher", analisa. "Em postos de liderança, ela se encaixa perfeitamente pelas características naturais que possui, como facilidade de se relacionar com todas as esferas de uma organização e de lidar com conflitos, forte intuição, jogo de cintura e poder de persuasão na tomada de decisões".

Diante das oportunidades que surgem em áreas menos técnicas ou em funções mais ligadas à gestão, muitas mulheres estão sendo atraídas para atuar em empresas TI. "Talvez essa razão justifique o crescimento da presença feminina em cargos de chefia", analisa Regina Curi, diretora RH da Unisys Brasil. Na subsidiária, o número de mulheres em níveis hierárquicos mais altos subiu de 21% para 23%, entre 2005 e 2008. "Mesmo com formação técnica, pré-requisito para se trabalhar nesse mercado, a mulher conta com habilidades que são peculiares no gerenciamento de equipes".

Por outro lado, há um movimento interessante que reforça o aumento da presença do sexo feminino em TI. A maioria escolhe áreas menos técnicas, como vendas ou marketing. É o caso de Cássia. Graduada em ciências da computação, resolveu enveredar por outros caminhos dentro de TI. Ela decidiu fazer pós-graduação em marketing com o objetivo de redirecionar a carreira. "Sempre quis experimentar coisas novas", revela.

Antes de ir para a Microsoft, ela atuou na NCR e HP, ambas da indústria de TI. Na NCR sua experiência foi em vendas, na HP marketing e na gigante de Bill Gates passou pelas duas áreas. Cássia ressalta, no entanto, que o maior desafio ao longo dos anos tem sido conciliar a vida profissional com a pessoal. "Sobretudo no mercado de tecnologia que muda num ritmo extremamente veloz e exige muitas horas de trabalho", afirma. Não foi à toa que Cássia adiou por alguns anos o sonho da maternidade. "Tive meu primeiro filho aos 30 anos e dei um espaço de cinco para ter a segunda filha".

Com uma postura bem mais radical, Luciana Abreu, 50 anos, decidiu deixar de lado a idéia de ser mãe para apostar na carreira. Ela começou cedo no mercado de TI, com 19 anos, em 1977, numa época em que se contava nos dedos o número de mulheres no setor. Diferente das profissionais que atualmente são atraídas por cargos de gestão na indústria de tecnologia, ela iniciou sua trajetória como programadora e por 10 anos esteve focada na área técnica. Ela conta que não sofreu discriminação, mas lembra que ao ingressar no mercado de trabalho enfrentou algumas situações delicadas por causa de seu tipo físico.

"Eu era muito nova e baixinha. Por esse motivo não era levada a sério", lembra. "Eu era chamada de loirinha, porque não lembravam meu nome, o que me deixava muito brava". Reconhece que virou a mesa no momento em que deixou o mundo dos bits e bytes para apostar suas fichas na área comercial em TI. Luciana conta que precisou adquirir outras habilidades por força do novo foco de atuação. "Na área comercial você se expõe mais e é necessário se impor", explica.

Embora tenha mudado o rumo de sua carreira, ela acredita que a mulher possui plena condição de desenvolver uma ótima performance na área técnica. "É claro que a possibilidade de atuar em áreas de gestão amplia as opções para a profissional que ainda torce o nariz para um mercado de trabalho nada tradicional à classe feminina", pondera. Quando era programadora, Luciana recorda que se destacava ao descobrir com facilidade os erros de um sistema durante a fase de testes. "Pegava tudo porque tinha muita atenção e sempre me atinha aos detalhes, característica inerente às mulheres".

Para Magali Bredariol, diretora de RH da Stefanini, essa geração mais nova, que cresceu na era da internet, também contribui para o aumento da presença feminina em TI. "Entre as mais jovens está se desmistificando a imagem de que a área de tecnologia é apenas para homens", comenta. "Sem contar o fato do perfil do profissional estar mudando, o que facilita a entrada das mulheres nesse setor".

Tornou-se comum, ressalta, as mulheres se formarem em ciência da computação, com ênfase em administração de empresas. Somado a isso, Magali aponta o crescimento exponencial do próprio mercado de tecnologia de cinco anos para cá. "Há um enorme espaço para as mulheres, porque é uma área que sofre com a falta de talentos".

Embora no Brasil existam poucas informações sobre o número de mulheres no topo da pirâmide, recente estudo da Catho revela que há uma participação histórica do sexo feminino em níveis hierárquicos mais elevados. De acordo com o levantamento, realizado com cerca de 95 mil empresas, 20% dos presidentes e CEOs (Chief Executive Officers) são mulheres. Um avanço se comparado há 11 anos, quando apenas 10,39% ocupavam o posto máximo.

Cristina Boner, 46 anos, é um dos um dos nomes mais conhecidos do setor de TI no Brasil e que representa bem a mudança de paradigmas quando o assunto é mulher no poder. Ocupou cargos importantes na esfera pública, incluindo o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Presidência da República Federativa do Brasil e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Em 1992 criou a TBA Informática, que hoje se transformou numa holding. Passou para o conselho de administração, deixando o comando executivo nas mãos de Mauro Muratório Not, ex-presidente da Microsoft. Desbravou o mercado de TI quando ninguém imaginava que uma mulher pudesse chegar tão alto. Até hoje trabalha 14 horas por dia e se orgulha por ter criado as três filhas praticamente sozinha.

Seu estilo polêmico transformou-se em marca registrada. "Até exagero na dose da testosterona para ser respeitada em uma reunião", diz. "O mercado de TI é difícil e costumo dizer que os homens não entendem muito quando na tomada de uma decisão agimos usando a intuição". Ela acredita que ainda há um mal-estar no primeiro contato com clientes, por ser mulher. "Sempre, no início, existe um clima de desconfiança", avalia.

Dificuldade que é superada quando os contatos prosseguem e o outro lado vê que a mulher sempre entrega o que promete. Para Cristina, os homens acabam enxergando que a mulher se destaca por ser detalhista. "Nossa grande vantagem é que passamos credibilidade por conta dos compromissos que assumimos e sempre estamos preocupadas em fazer o dever de casa", observa.

Chegar ao topo pode não ser uma tarefa fácil para as mulheres, mas com certeza todas elas têm histórias curiosas para contar. Teresa Vernaglia, diretora-geral da AES Eletropaulo Telecom, não esquece das inúmeras vezes em que precisou se reunir após o expediente com grupos de executivos para discutir negócios. "Me sentia desconfortável, porque os lugares escolhidos eram para que eles pudessem fumar charutos", lembra. "Lógico que não perdia o humor, mas era no mínimo complicado. Do mesmo jeito que muitas atividades incluíam a prática de golfe, outra coisa inusitada para nós do sexo feminino".

Peculiaridades à parte, Teresa sempre se acostumou a lidar com os homens, o que começou desde cedo, na época da faculdade quando em sua turma de 120 alunos, apenas 10 eram mulheres. Graduada em engenharia elétrica, com ênfase em telecomunicações, pelo ITA, trabalhou por nove anos na NEC do Brasil, na área de implantação de sistemas. Em 1997, a executiva assumiu a área de administração de engenharia e operação da Nextel, como responsável pelo desenvolvimento de uma rede nacional durante cinco anos.