Título: Para editor da The Economist, Brasil precisa avançar ainda mais
Autor: Balarin , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Brasil, p. A2

Micklethwait diz que descolamento é factível até certo ponto, mas não há independência completa em relação aos EUA O Brasil está indo muito bem, é reconhecido internacionalmente como parte de um grupo de países com políticas macroeconômicas responsáveis e saudáveis, mas não pode fechar os olhos para o que ainda tem de ser feito. Para o editor-chefe da revista britânica "The Economist", John Micklethwait, o Brasil tem pela frente um conjunto de desafios interessantes, como a forma que lidará com questões como educação, o contágio da crise financeira mundial e a agilidade para realizar reformas importantes, como a política e a tributária.

Micklethwait crê que há hoje no mundo uma corrida pela competitividade. "O Brasil está mudando. Mas a China também está mudando, incrivelmente rápido. Se você é a General Electric, onde vai querer instalar sua fábrica? Há vantagens competitivas (...) e é preciso saber se o Brasil está se movendo rápido o suficiente em questões como a educação, por exemplo", diz o editor da "The Economist", que está no país para participar de uma mesa-redonda de negócios entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministro e líderes empresariais. O evento, promovido pela "The Economist", será realizado amanhã e quinta-feira em Brasília e tem o apoio do Valor.

Para Michael Reid, editor de Américas da revista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu duas realizações importantes - a manutenção da estabilidade macroeconômica e financeira -, além de programas de redução da pobreza que melhoraram a distribuição de renda. "Entretanto, com sua popularidade, poderia ter levado adiante reformas como a tributária e a política, que ele anunciou como prioridade no segundo mandato e ainda não fez. Fica a sensação de que o Brasil está indo bem, mas que poderia estar fazendo melhor", diz Reid, que viveu durante três anos no país na década passada.

O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, mas Reid e Micklethwait são enfáticos ao dizer que o país avançou muito nos últimos anos. No caso dos investidores financeiros, há uma certa excitação por conta dos ganhos obtidos no mercado brasileiro no passado recente. Já o fluxo de investimento direto explica o interesse das empresas em um mercado interno em crescimento. Além disso, Reid destaca que os investidores atualmente fazem uma distinção entre os vários países da América Latina. "Brasil, Chile, México, Peru e Colômbia têm políticas saudáveis. O outro grupo é formado por Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina", explica. "E isso é uma grande mudança", complementa Micklethwait.

Um dos interesses dos investidores é saber como o Brasil será afetado pela crise que teve início nas hipotecas norte-americanas. Micklethwait diz que acredita em um descolamento ("decoupling") das economias emergentes, mas só até certo ponto. "Países como Brasil, Índia, China e Rússia não são mais tão dependentes dos EUA como foram um dia. Mas dizer que não há qualquer dependência é errado", afirma o editor.

Para ele, o efeito pode não ser direto, mas a desaceleração americana poderá vir a ter impacto sobre o crescimento chinês, por exemplo, e, por tabela, isso chegaria ao Brasil. Outra questão que ele considera que não deve ser subavaliada é o efeito psicológico da crise e como isso pode influenciar os empréstimos dos bancos, por exemplo.

Apesar de os principais bancos mundiais já terem reconhecido perdas bilionárias, a crise ainda deve perdurar por um bom tempo, na avaliação de Micklethwait. Ele diz que as características que levaram à atual crise de crédito repetem anteriores - como o fato de os bancos terem emprestado demais e mal -, mas que há na turbulência atual uma diferença importante. "Desta vez, há uma dificuldade de se localizar onde estão as perdas", explica, ressaltando que isso teve impactos importantes no mercado intrabancário.

Outra diferença é o fato de que os investidores acreditaram em classificações de baixíssimo risco dadas a ativos cuja origem era desconhecida. Isso ocorreu, em parte, por causa do uso de operações de securitização nas quais os bancos pouco se preocuparam com os tomadores do crédito. "O que é louco é que os investidores acreditaram que, com essa maneira de fazer a operação, eles estavam totalmente cobertos." Para Micklethwait, a securitização não deixará de existir, mas a atenção à origem do crédito ganhará mais atenção.