Título: Fazenda resiste à rolagem de dívidas agrícolas
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Agronegócios, p. B10

O movimento dos produtores pela rolagem das dívidas, iniciado no Mato Grosso, conta com simpatia do Ministério da Agricultura, mas o Ministério da Fazenda resiste a aceitar uma repactuação linear desses débitos. Em conversas reservadas, membros da equipe econômica dizem entender as dificuldades dos produtores, mas resistem às queixas e querem restringir ao máximo as concessões a micro-regiões e culturas específicas. Além disso, pensam que é possível usar parte do capital acumulado pelos produtores nas três últimas safras numa hora difícil como a atual. O pedido dos produtores de soja, algodão, milho, trigo e arroz conta ainda com a neutralidade do Banco do Brasil, principal agente do setor, que se preocupa mais em não onerar custos operacionais com desgastantes discussões caso a caso. "O ministro Roberto Rodrigues nos apóia, mas quer saber o tamanho da crise porque não quer dar uma injeção na veia se o setor precisar apenas de um comprimido", diz Homero Pereira, presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso (Famato). Os produtores rurais vão aumentar hoje a pressão sobre o governo para obter a rolagem das dívidas em reunião com o ministro Rodrigues, da Agricultura. O setor quer prorrogar, deste ano para 2006, os débitos das linhas de investimentos e renegociar as dívidas dos programas de securitização agrícola e de saneamento de ativos (Pesa). Também pedirão uma linha para bancar a diferença entre preços de mercado e custos de produção - só no Mato Grosso, a diferença seria de US$ 574,3 milhões, calcula o Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola. A estratégia de pressão dos produtores inclui ainda a ameaça de exigir a prorrogação de dívidas com as Cédulas de Produto Rural (CPR) emitidas pelo BB e a rolagem dos débitos de custeio desta safra. Para forçar as tradings a apoiar o movimento, os produtores estudam criar um preço de referência - entre R$ 31 e R$ 33 - para quitar empréstimos do tipo "soja verde" e entrega futura. Em Mato Grosso do Sul, os ânimos estão exaltados. "Algo está errado e vamos discutir como superar esses problemas de custo de produção, câmbio e logística", afirma Leôncio Brito, presidente da Famasul. "Temos um custo muito acima de nossa espetacular produtividade e estamos sem margens. Muitos devem sair da atividade", acrescenta Alécio Maróstica, da Federação de Agricultura de Goiás. Em entrevista ao "Financial Times", o produtor Álvaro Salles, de Rondonópolis, faz coro: "Se os preços não se recuperarem, alguns produtores irão quebrar". Puxado pela alta do diesel, adubos e defensivos, o custo de produção explodiu. Pesa, e muito, a forte desvalorização do dólar. "Compramos insumos a R$ 3,10 e vamos vender a soja a R$ 2,60", argumenta Altemar Kroling, de Diamantino (MT). Carlos Valdamérico é um bom exemplo das dificuldades no setor. Dono de 700 hectares de soja em Sorriso (MT), ele produz uma média de 58 sacas/hectare. Animado, pisou no acelerador e comprou uma colheitadeira de US$ 250 mil. Endividado, viu seu custo chegar a US$ 435/hectare e vendeu parte da safra a US$ 8,70. Se o preço não melhorar, perderá US$ 0,65/saca. "Tenho uma produtividade muito boa, mas não consegui fazer 'hedge' porque não tive ofertas. Tenho que pagar custeio, parcela das máquinas e a trading. E agora?", resume. A pergunta deve começar a ser respondida hoje.