Título: Microcrédito ainda patina; bancos estão longe da aplicação obrigatória
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Finanças, p. C1

Os bancos cumpriram menos da metade das aplicações obrigatórias em operações de microcrédito no ano passado. Segundo dados do Banco Central, o conjunto de instituições financeiras emprestou em 2004 uma média diária de R$ 500 milhões em transações de microcrédito, cifra que equivale a somente 38,46% do R$ 1,3 bilhão que deveria ser dirigido ao segmento. Como punição, os bancos tiveram de recolher compulsoriamente ao BC, no último dia 20 de janeiro, sem receber remuneração alguma, o total de R$ 800 milhões. A aplicação da sanção teve sabor de derrota para o próprio BC, que desde meados do ano passado vem adotando medidas para fazer com que o dinheiro seja efetivamente emprestado. O programa do microcrédito foi lançado em 2003 como uma tentativa de democratizar o acesso ao crédito. A regra criada pelo governo determina que 2% dos saldos médios em contas correntes sejam aplicados em operações de microcrédito. Inicialmente, os juros estavam limitados a 2% ao mês para todas as operações, e os valores dos empréstimos deveriam observar um teto para pessoas físicas (R$ 600) e outro para pessoas jurídicas (R$ 1.000). "O direcionamento de recursos para o microcrédito, como inicialmente desenhado, era a crônica de uma morte anunciada", afirma Luiz José Bueno Aguiar, da Abcred, associação que reúne entidades de microcrédito. Ele sustenta que os bancos não tinham nenhuma experiência no segmento e que boa parte do sistema não tem interesse em desenvolver tecnologia para atuar na área. "A regra empurrava os bancos para uma aventura à qual não estavam familiarizados." Em agosto, o governo iniciou mudanças nas regras para incentivar aplicações efetivas em microcrédito. De um lado, permitiu que os bancos que aumentassem progressivamente as aplicações pudessem liberar parte dos recursos que estavam retidos em depósitos compulsórios. De outro, flexibilizou as regras de aplicação, para incentivar que parte do direcionamento de 2% dos depósitos à vista fosse repassado para entidades com especialização em microcrédito, como organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), sociedades de crédito ao microempreendedor (SCMs) e cooperativas. Entre as mudanças, está ainda a possibilidade de os recursos serem aplicados em operações de microcrédito produtivo, com juros de até 4% ao mês. O custo maior é para cobrir as despesas administrativas, que são mais altas nessa modalidade de empréstimo, pois é feita por meio de agentes de crédito - profissional que faz contato pessoal com o microempresário e oferece a assistência financeira. De lá para cá, entretanto, os avanços têm sido lentos. As aplicações em microcrédito, que na média dos 12 meses encerrados em agosto somavam R$ 200 milhões, subiram para R$ 500 milhões no período de apuração que terminou em dezembro. Em termos percentuais, a alta foi de 150%. Mas o progresso fica menos expressivo quando pesado o fato de que, entre um período e outro, os depósitos à vista cresceram, e com eles o valor que deveria ser obrigatoriamente aplicado em microcrédito: passaram de R$ 1,1 bilhão para R$ 1,3 bilhão. Por esse motivo, o alívio para os bancos em termos de liberação de depósitos compulsórios punitivos foi modesto: os valores retidos recuaram de R$ 900 milhões para R$ 800 milhões. Aguiar acha possível que, com as novas regras - que são relativamente recentes -, o direcionamento possa ser efetivamente aplicado em microcrédito em 2005. "Ainda estamos longe do ideal, mas o crescimento dos empréstimos desde agosto mostra que o programa está achando um rumo", afirmou. Eli Moreno, consultor da unidade de acesso a serviços financeiros do Sebrae, afirma que a criação de fundos de aval - que vão fornecer garantia para os repasses de recursos dos bancos para organizações especializadas no segmento do microcrédito - deverá dar um novo ânimo ao programa. "Estamos chegando a entendimentos para que o Sebrae ofereça aval."