Título: Chile reforma seu elogiado sistema de Previdência
Autor: Malta , Cynthia
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Internacional, p. A8

A presidente Michelle Bachelet transforma hoje em lei a mais importante reforma do sistema de Previdência do Chile, criado há 27 anos, em tempos de regime militar. De forte cunho social, o novo sistema entra em vigor em julho e pretende beneficiar uma boa parcela da população mais pobre, com 65 anos ou mais e que estava fora do sistema, e aumentar a concorrência no mercado de administração de fundos de pensão, atualmente em mãos de poucas empresas.

O atual sistema de capitalização chileno, pelo qual o trabalhador contribui com uma parte de seu salário para sua própria aposentadoria, é diferente do sistema brasileiro, no qual o trabalhador de hoje financia para aposentadoria de quem já saiu do mercado. Muito elogiado desde sua criação, em 1981, o modelo chileno foi copiado por vários países, inclusive os EUA. As administradoras de fundos de pensão (AFP), privadas, recolhem as contribuições dos trabalhadores e aplicam os recursos. Essas operações ajudaram a alavancar investimentos no país, com reflexos importantes na expansão da economia. Mas, ao mesmo tempo, as AFP cobram altas comissões de seus "clientes", que não podem trocar de administradora.

"O sistema das AFP foi uma reforma neoliberal da ditadura. Privatizou-se sem os marcos regulatórios adequados", lembra o embaixador do Chile no Brasil, Álvaro Díaz. Como resultado, diz ele, o que se vê é uma baixa adesão ao sistema, enquanto o país envelhece a passos rápidos, com expectativa de vida crescente. Caso fosse mantido o atual modelo, 5% dos pensionistas receberiam apenas a pensão mínima e 45% teriam pensão inferior à mínima ou pensão nenhuma.

A bomba-relógio foi desarmada, e a nova lei aprovada pois a oposição (abrigada na coalizão Alianza) concordou que era hora. "Nos anos 90 a Concertación (coalizão que reúne partidos de centro-esquerda e centro-direita, hoje no governo) já defendia reformas no sistema, mas não havia maioria no Congresso", diz Díaz.

Reduzir a desigualdade de renda (10% da população detém quase 40% da renda) foi uma bandeira que passou a integrar o discurso da Alianza há cerca de quatro anos. Esse movimento permitiu que a reforma no sistema de Previdência avançasse.

O novo modelo é misto. Mantém a capitalização gerida pelas AFP e aumenta a participação do governo, que deve desembolsar pouco mais de US$ 1,5 bilhão ao ano, de 2008 a 2010. A pensão básica solidária (PBS) será concedida a cidadãos de 65 anos ou mais, da parcela mais pobre da população e que nunca tenham contribuído para sua aposentadoria, como donas-de-casa e trabalhadores informais. A partir de julho, eles receberão 60 mil pesos mensais (cerca de US$ 125), atingindo um ano depois o valor máximo de 75 mil pesos (US$ 156).

A lei também cria o aporte previdenciário solidário (APS) para chilenos de 65 anos ou mais que tenham contribuído para sua aposentadoria, mas de maneira insuficiente para garantir o recebimento da pensão mínima. Este grupo, que reúne trabalhadores cuja pensão é de no máximo 70 mil pesos (US$ 146), começará a receber sua pensão a partir de junho de 2009. O valor vai aumentar gradativamente até chegar ao teto de 255 mil de pesos (US$ 531) em 2012.

A lei pretende, com esses dois tipos de pensão (PBS e APS), beneficiar inicialmente os 40% mais pobres da população. Em 2012 essa fatia cresceria para 60%, equivalendo a cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Além do apoio da oposição, o governo Bachelet também contou com a extraordinária alta de preços do cobre - principal produto da pauta de exportação do Chile, que tem na estatal Codelco uma fonte importante de recursos. O Fundo de Reservas de Pensões, criado em fins de 2006, é administrado pelo Tesouro Público e fornece a verba necessária a ser aportada pelo governo ao novo sistema de Previdência.

Há quem veja um risco importante no comprometimento de dinheiro público, mas a situação fiscal do Chile é invejável. A dívida pública interna foi zerada, as reservas são muito confortáveis e o governo é obrigado, por lei, a economizar e fazer render uma parte do orçamento para eventuais tempos de vacas magras, observa o embaixador do Brasil no Chile, Mário Vilalva.

Aumentar a concorrência, estimulando a entrada de novas AFP - atualmente há cerca de meia dúzia operando, também é parte importante da nova lei. Bancos são proibidos de operar pensões, mas foi dado sinal verde se um banco criar uma holding com este fim. A eventual entrada do Banco del Estado, que possui cerca de 8 milhões de contas de poupança, é comentada e temida pelas atuais AFP.

O que se pode prever com segurança é que, a partir de julho, uma parcela nada desprezível da população terá mais dinheiro no bolso, e a presidente Bachelet, com mais dois anos de mandato pela frente, terá a chance de ver sua popularidade subir novamente.