Título: Mercados voltam a dar sinais de pessimismo
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Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Opinião, p. A26

A cada novo indicador econômico, os Estados Unidos parecem estar mais próximos de uma recessão. Na sexta-feira, o governo anunciou que em fevereiro foram cortadas 63 mil vagas na indústria e serviços, a maior queda em cinco anos, que se segue a uma perda de 22 mil postos em janeiro. A velocidade da economia no primeiro trimestre está perto do zero e pode chegar a uma suave desaceleração. Os mercados voltaram a ficar pessimistas, pois a retração das atividades econômicas indica maior inadimplência a caminho, que virá somar-se às inacreditáveis perdas com o mercado de hipotecas de alto risco.

A inadimplência no mercado de hipotecas residenciais subiu muito nos EUA nos últimos meses, provocando uma derrubada dos preços dos imóveis que ainda está longe de terminar. A derrocada dos preços abaixo do valor das dívidas com a hipoteca faz prever novos e maiores calotes futuros. Como os bancos americanos, o centro irradiador da atual crise, sofreram o golpe principal dos calotes - globalmente, já foram US$ 160 bilhões limpos dos balanços como perdas -, sua capacidade de emprestar deverá ser ainda mais afetada do que foi até agora. Se não for estancado, esse movimento tende a jogar a economia numa recessão, em primeiro lugar, e depois a torná-la mais profunda e duradoura do que as crises econômicas anteriores.

Com a retração, outros setores começaram a sofrer o baque. O setor de construções comerciais indica perda de fôlego e há claro recuo na indústria automobilística. Com os cortes de emprego, os consumidores têm um motivo a mais para se mostrarem cautelosos. Os gastos de consumo caíram abaixo dos 2%, ante 3,4% no ano anterior, ainda que os ganhos salariais tenham sido preservados até agora. Na conta dos efeitos negativos encontram-se ainda a elevação dos preços do petróleo, que absorve renda disponível, a queda do valor dos imóveis e o recuo do mercado acionário.

Os riscos maiores, a julgar pelas ações do Federal Reserve Bank americano, vêm de uma redução aguda do crédito. Ela foi contida até agora pelos rápidos cortes na taxa de juros e leilões de dinheiro agregados a facilidades na relação de títulos em poder dos bancos que podem ser trocados no redesconto. Os mercados voltaram a dar sinais de que a desconfiança nos empréstimos voltou e a liquidez foi afetada. Por isso o Fed anunciou mais uma linha auxiliar de US$ 100 bilhões para empréstimos por 28 dias, enquanto que elevou de US$ 30 bilhões para US$ 50 bilhões a oferta nos leilões semanais.

A nova onda de desconfiança foi gerada pela "chamada de margens" de fundos de hedge que alavancaram compras para financiar aquisições também alavancadas de fundos de private equity. Tanto os private quanto os fundos de hedge estão agora na berlinda, e uma venda maciça de títulos para cobrir as margens pode jogar os preços dos papéis que recheiam a carteira de bancos a um valor irrisório - e trazer mais perdas.

Enquanto o Fed despeja dinheiro barato nos mercados em proporções inéditas, o estímulo ao consumidor chegará em breve, quando descontos de impostos da ordem de US$ 150 bilhões começarem em maio. Aliado dos cortes de juros, esses instrumentos não devem ser subestimados, porque podem tornar a retração da economia mais curta e mais suave. Outros fatores atuam no mesmo sentido, como o vigor dos mercados emergentes, que acolhem crescentes exportações americanas, impulsionadas pela queda acentuada do dólar ao redor do globo.

Se de fato as economias emergentes continuarem fortes, os EUA terão que enfrentar um dilema já esboçado - baixo crescimento e alta inflação. Essa "estagflação" não tem a abrangência nem a intensidade que teve nos anos 70, mas coloca o Fed entre dois fogos, o de evitar uma recessão com dinheiro barato ou de bater na inflação com a elevação dos juros. Se o mundo acompanhar o esfriamento americano, a inflação das commodities cairá. O que pode não ser consolo para os EUA, que tiram a força de sua economia do consumo doméstico , que corresponde a 70% do PIB. Pelo desenrolar da crise iniciada no mercado de hipotecas, pode-se prever que a economia americana poderá levar mais tempo para voltar a ganhar robustez e que haverá poucas boas notícias pelo menos até o fim do primeiro semestre.