Título: Crescimento continua limitado pela alta de juros
Autor: Filho , Fernando Ferrari
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Opinião, p. A26

No ano passado, o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a boa performance de alguns dos principais indicadores macroeconômicos da economia brasileira - tais como superávit comercial ao redor de US$ 40 bilhões, reservas cambiais acumuladas próximas a US$ 185 bilhões, taxa de desemprego de 9,3%, estimativas de um crescimento do PIB em torno de 5,2% e taxa de inflação, IPCA de 4,46% - fizeram com que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles e os analistas econômicos passassem a vislumbrar um ciclo de crescimento econômico sustentado para o Brasil.

A despeito do atual otimismo acerca das expectativas de um crescimento pujante e consistente da economia brasileira para os próximos anos, em nosso ponto de vista, enquanto a economia brasileira continuar apresentando elevadas taxas de juros, taxa de câmbio valorizada e desequilíbrios fiscais, o que resulta em taxas de investimento deprimidas - atualmente, a relação formação bruta de capital fixo/PIB é da ordem de 19,5% -, é pouco provável que tenhamos um cenário monetário-cambial-fiscal propício para assegurar o tão esperado crescimento econômico sustentável do país. Se acrescentarmos ao referido cenário as perspectivas tanto de arrefecimento da economia mundial, face à crise imobiliária da economia norte-americana, quanto de racionamento energético, tudo leva a crer que há um excesso de otimismo de parte da equipe econômica e dos analistas econômicos. Para assegurarmos a estabilização macroeconômica e crescermos acelerada e sustentavelmente, a política macroeconômica deve ser articulada de forma a (i) reduzir a taxa de juros - diga-se de passagem, sistemática que vinha sendo implementada, ainda que timidamente, pelo BC, desde 2006 -, (ii) tornar a taxa de câmbio competitiva - a administração do câmbio conforme a lógica de um regime "crawling peg" e a adoção de mecanismos de controle de capitais que mitiguem a entrada de capitais especulativos têm esse objetivo - e (iii) equilibrar as finanças do setor público para que o Estado continue realizando gastos tanto em programas sociais de caráter distributivo, tais como o Bolsa Família, quanto em infra-estrutura. Em outras palavras, política monetária expansionista, desvalorização administrada da taxa de câmbio e ajuste fiscal são imprescindíveis.

Esperar dos economistas e dos analistas econômicos consenso em torno das estratégias de redução dos juros e de intervenção no mercado de câmbio é quase impossível. Todavia, é possível que haja uma unanimidade em torno da necessidade de se implementar o ajuste fiscal, por mais que os fins sejam distintos: por um lado, para aqueles que compartilham da idéia de Estado Mínimo, o ajuste fiscal deve contemplar reformas orientadas para o mercado; por outro, há os que entendem que o equilíbrio do setor público é essencial para tornar o Estado solvente nos planos fiscal e financeiro, sendo capaz, assim, de estabelecer políticas públicas e sociais e criar um ambiente institucional favorável à realização dos investimentos privados.

-------------------------------------------------------------------------------- Economia do setor público acaba sendo uma transferência de recursos da sociedade para os rentistas --------------------------------------------------------------------------------

Por mais que haja divergência acerca de qual deve ser a estratégia de política macroeconômica para se atingir os objetivos de estabilização de preços e de crescimento econômico sustentável, para nossa surpresa, no momento em que a taxa de inflação do ano passado ficou somente 0,04% abaixo da meta estabelecida pelo BC, os arautos do mercado argumentam ser necessário elevar a taxa de juros para conter pressões de demanda e, por conseguinte, propõem que o BC eleve a taxa básica de juros, Selic, em um futuro próximo. Como é sabido, taxa de juros tem efeito transmissor sobre a inflação se, e somente se, ela é essencialmente de demanda, o que não parece ser o caso da nossa presente inflação. Por quê? Por um lado, porque entre 2003 e 2007, caso as previsões do PIB para esse último ano sejam confirmadas, a economia terá crescido em média 3,7% ao ano. Se não bastasse o baixo crescimento médio anual, a dinâmica desse crescimento tem mostrado uma tendência à la "stop and go". Portanto, supor que o referido crescimento, pífio e volátil, tenha atingido a taxa de crescimento do PIB de pleno emprego, o que ocasionaria pressão de demanda, é no mínimo questionável. Por outro, porque no ano passado a taxa de inflação, segundo nos informa o IBGE, foi inflada tanto pelo grupo de alimentos, devido ao choque de oferta agrícola em nível mundial, quanto pela elevação dos preços das commodities internacionais.

Diante desse contexto, elevar a taxa de juros não resolve os problemas da atual inflação brasileira. Ademais, propor a elevação da taxa de juros tem três implicações: (i) compromete ainda mais qualquer esforço de ajuste fiscal. Não é demais ressaltar que a economia do setor público, obtida através do expressivo superávit primário - no ano passado a relação superávit fiscal/PIB foi da ordem de 4% - acaba representando a transferência de recursos da sociedade como um todo para os rentistas; (ii) mantém a taxa de câmbio valorizada, pois em um contexto de ampla mobilidade de capitais, em que os ativos financeiros (títulos) domésticos e internacionais são substitutos perfeitos, o diferencial positivo entre as taxas de juros brasileira e internacionais atrai a entrada de capitais de curto prazo; e (iii) arrefece o investimento e, por conseguinte, a própria dinâmica de crescimento do PIB.

Enfim, para mantermos taxas de crescimento superiores a 5% ao ano, conforme prevê o PAC, novas reduções da taxa de juros básica da economia brasileira são fundamentais. Caso contrário, continuaremos com os desequilíbrios do setor público, com a tendência de apreciação do real (o que pode, em um cenário internacional desfavorável, fazer com que sejamos novamente dependentes de poupança externa) e crescendo à la "vôo da galinha".