Título: Com mercado aberto, as pequenas e ágeis novatas ganham espaço na UE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Empresas, p. B9

A abrangente liberalização do mercado de energia na Europa está dando luz a um novo tipo de companhias: empresas pequenas e ágeis capazes de concorrer com as gigantes ex-estatais de eletricidade.

A francesa Poweo SA começou em 2002 com capital de ? 1 milhão de euros(US$ 1,53 milhão) e um plano de tirar clientes da Électricité de France, conhecida como EDF - a dona da UTE Norte Fluminense -, maior energética da Europa, com valor de mercado de ? 99 bilhões de euros. Ela tem mais de 100 mil clientes e uma receita que subiu 49% no ano passado, para ? 363,1 milhões de euros.

A abertura do mercado energético, diz Charles Begbeider, fundador da Poweo, "foi uma oportunidade à espera de ser agarrada". O surgimento dessas novas empresas na França, Itália, Holanda e outros países num setor ainda dominado por companhias da velha guarda é parte de um maremoto no mercado europeu de energia.

À medida que a abertura do mercado se expande, ela tem reescrito as regras para algumas das maiores empresas do continente, tanto quanto autoridades ambientais e consumidores individuais. Nesse processo, um produto que era tão básico, a eletricidade, passa por uma reforma de marketing e está sendo vendida com preços dinâmicos, ofertas especiais e acordos sob medida. Algumas empresas já oferecem em eletricidade o equivalente a chamadas telefônicas de madrugada: ofertas especiais aos sábados e domingos quando a demanda em geral é mais baixa.

"O setor de eletricidade está evoluindo para um negócio de consumo que responde ao que os consumidores querem", diz Michael Cupit, diretor da prática de serviços públicos da Ernst & Young LLP em Londres. "Eu mudo de fornecedor pelo menos uma vez por ano", diz.

A maioria das novas empresas tem apenas cerca de 1% a 2% do mercado, mas está crescendo com rapidez. Ainda assim, elas já entraram no radar das empresas que dominam o mercado, muitas das quais, inclusive a EDF e a Enel SpA da Itália, melhoraram seus departamentos de relacionamento com o consumidor e lançaram novas e agressivas campanhas de marketing.

O futuro dessas novatas ainda é incerto. Muitas estão se beneficiando da alta de preços e da demanda em mercados europeus. Mas não está claro se os preços e o ambiente político vão continuar favoráveis, ou se a crescente concorrência por parte das companhias maiores vai aumentar a pressão sobre elas. A Poweo divulgou um prejuízo de ? 21,4 milhões de euros no primeiro semestre do ano passado, em parte por causa da alta de custos de propaganda e marketing.

A União Européia começou há quase dez anos a abrir o setor que era dominado por monopólios estatais como a Enel e a belga Electrabel. Desde então a UE tem reduzido a regulamentação, primeiro ao permitir que empresas de eletricidade concorressem por grandes clientes industriais, depois por pequenas empresas e agora por clientes residenciais.

Para as rivais maiores, a flexibilização deflagrou uma onda de fusões e aquisições internacionais. Elas compraram ativos importantes em países vizinhos. A Électricité de France comprou uma participação controladora na elétrica italiana Edison SpA. A Enel abocanhou uma fatia da espanhola Endesa SA.

As mudanças na Europa espelham as que sacudiram setores como os de telecomunicações e o aéreo. Mas abrir as comportas do mercado de energia tem criado alguns problemas. O Reino Unido atraiu uma leva de investimentos quando liberalizou o mercado de energia em meados dos anos 90. A oferta de eletricidade logo superou a demanda, os preços despencaram e muitos investidores perderam tudo. Nos Estados Unidos, a desregulamentação se enfraqueceu consideravelmente desde que o Estado da Califórnia meteu os pés pelas mãos ao tentar abrir seu mercado de energia, levando aos apagões de 2000 e 2001.

O plano de negócios da Poweo era simples: ela compraria energia barata da EDF no atacado e revenderia com sua marca. Quando obteve seu primeiro cliente, uma fábrica de cigarros, em 2003, a Poweo só tinha 20 empregados. Em 2005, começou a investir em ativos de geração de energia, uma pequena usina eólica na França. No momento está construindo uma termelétrica a gás e desenvolvendo energia solar.

Agora, a Poweo tem 440 empregados, 300 dos quais em vendas. Só 17 trabalham em geração de energia. O lema da companhia é "energia positiva" e ela oferece aos clientes várias maneiras de pagar por sua eletricidade. Begbeider tem procurado contratar gente boa de marketing e foi buscar talentos em fabricantes de videogames e celulares e em empresas de internet. Para concorrer com as gigantes do setor, diz ele, "temos de superá-las em serviço ao consumidor. Temos investido na embalagem, na experiência do cliente".

Seus esforços de marketing, voltados particularmente ao lançamento de serviços residenciais, resultou num impacto de ? 5,8 milhões de euros sobre seus resultados financeiros. A empresa também atribui seu prejuízo semestral à demanda menor do que o esperado. Os resultados do ano todo ainda não estão disponíveis.

Na Itália, a Sorgenia SpA, de capital fechado, também ergueu um grande negócio rapidamente aproveitando a abertura do mercado. Quando foi fundada em 1999, ela não tinha ativos de energia próprios. Ao contrário, ela fez um acordo com a austríaca Verbund AG que lhe venderia eletricidade gerada na Áustria, país que tem um dos menores preços da Europa, para a Itália, onde os preços estão entre os mais altos do continente.

Desde então, a Sorgenia tem gradualmente estabelecido seus próprios ativos de geração. Mas como ela começou do zero, pode selecionar o tipo de ativos que deseja na localização que preferir. Isso possibilitou construir um mix mais verde de fontes de energia, desde usinas eólicas na França até termelétricas a gás na Itália.