Título: Argentina quer comprar 1,5 mil MW médios de energia do Brasil
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2008, Brasil, p. A2

Desesperada para controlar sua crise de energia elétrica, a Argentina pediu ao governo brasileiro a transferência de até 1.500 megawatts (MW) médios entre os meses de maio e agosto. Esse é o limite da capacidade de transmissão do Brasil para o lado argentino e representa 2,5% da capacidade de geração brasileira. Politicamente, há interesse em ajudar o país vizinho, principalmente após a negativa em ceder parte do gás boliviano durante o inverno. Mas há resistência das autoridades do setor elétrico, que fazem questão de esperar o fim de março - quando as chuvas começam a diminuir - para verificar a recuperação dos reservatórios e qual é a capacidade de o sistema enfrentar o próximo período seco sem colocar em risco o abastecimento doméstico ao longo de 2009.

Para aumentar a pressão em cima dos brasileiros, o secretário de Energia da Argentina, Daniel Cameron, que tem status de ministro, deverá reunir-se até sexta-feira, em São Paulo, com o secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Ronaldo Schuck. Se o Brasil puder enfrentar o período seco sem ativar todas as térmicas, pode gerar energia adicional e vender esse excedente aos argentinos, a um preço mais caro. Mas há dúvidas de que esse montante possa chegar a 1.500 MW. Segundo fontes que acompanham de perto as conversas, a orientação do governo é para que os funcionários brasileiros ajudem o vizinho o país vizinho no que for possível, mas dêem prioridade à segurança do sistema elétrico nacional.

A solicitação da Argentina é uma tentativa de contornar a iminência de um desabastecimento de gás no inverno. Com a demanda em alta e obtendo da Bolívia apenas 3 milhões de metros cúbicos por dia de um contrato que lhe garantiria até 7,7 milhões m3/dia, a presidente Cristina Kirchner pediu ao governo brasileiro o desvio de parte dos 30 milhões de m3/dia que o país recebe. Desta vez, os argentinos alegam que a transferência de até 1.500 MW de energia elétrica poderá dar alguma margem para a liberação do gás usado na geração térmica para aquecimento das residências. A escassez de gás já fez a Argentina cortar quase completamente o fornecimento do combustível ao Chile, que adotou medidas emergenciais - como o prolongamento do horário de verão e a redução da voltagem - para fugir de um provável racionamento.

As negociações entre Brasil e Argentina se dão em um momento complicado. Agora, os consumidores brasileiros começam a sentir de maneira mais forte o reflexo da interrupção da exportação de energia da Argentina para o Brasil. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou ontem um reajuste de 10,88% para os consumidores residenciais da Ampla (ex-Cerj), que atende 2,2 milhões de unidades consumidores em 66 municípios do Rio de Janeiro.

A distribuidora tinha um contrato de 284 MW com a CIEN, empresa responsável pela interconexão elétrica na fronteira do Brasil com a Argentina, mas o país vizinho deixou de fornecer essa energia por causa de seus problemas internos. A Ampla conseguiu comprar 100 MW de outros fornecedores, mas ficou com um déficit de 184 MW - ou 15% de todo o seu mercado consumidor.

Em janeiro, com os reservatórios em queda e o acionamento de usinas térmicas mais caras, o preço da energia no mercado atacadista disparou e atingiu o pico de R$ 569 por MW/h- no mesmo mês de 2007, estava abaixo de R$ 20. É nesse mercado que a Ampla teve que buscar a energia para repor o déficit causado pelo corte da Argentina. Uma "exposição involuntária", conforme definiu ao Valor o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. Sem o efeito-Argentina e das térmicas, o reajuste da Ampla seria de 4,1%.

Kelman antecipou que a Copel, outra cliente da CIEN, também deverá sofrer o impacto da interrupção do envio de energia da Argentina. Nesse caso, a empresa paranaense contesta na Justiça a suspensão do fornecimento. Duas geradoras - Furnas e Tractebel - compravam outros 1.000 MW da Argentina. As distribuidoras que compram energia delas poderão sofrer o impacto indireto. De qualquer forma, esclareceu o diretor da Aneel, o acionamento das térmicas desde janeiro aumenta o valor da energia paga pelas distribuidoras às geradoras. E isso vai parar nas contas de luz, completou. "É a regra do jogo. Todos os consumidores devem torcer para que as térmicas não sejam acionadas."