Título: Governo vai usar IOF para conter queda do dólar
Autor: Safatle , Claudia ; Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2008, Brasil, p. A3

Guido Mantega, ministro da Fazenda: "Dólar está derretendo" e este problema precisa ser encarado pelo governo O Conselho Monetário Nacional (CMN) deverá ter, hoje, uma reunião extraordinária para aprovar medidas de liberalização cambial e de apoio às exportações. Outras duas medidas que não demandam aprovação do Conselho, mas podem sair hoje, são a isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de contratação de câmbio para exportação, e a tributação, com um IOF de 2% a 3%, sobre os investimentos estrangeiros em títulos da dívida pública.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que esteve durante boa parte do dia de ontem em reunião com seus assessores para concluir a elaboração desses atos, hoje pela manhã terá um encontro com o presidente Luis Inácio Lula da Silva para bater o martelo no teor final das medidas. Mantega confirmou ontem que o governo realmente cogita acabar com a exigência de cobertura cambial das exportações, permitindo que os exportadores brasileiros possam manter no exterior até 100% do volume de moeda estrangeira recebido como pagamento pela venda de produtos a outros países. "É possível que venhamos a implementar isso", disse Mantega, ao comentar a notícia antecipada pelo Valor na edição de ontem.

Com um IOF de 2% a 3% sobre as aplicações estrangeiras em títulos públicos, o governo pretende retirar parcela do incentivo fiscal concedido a esses investidores em fevereiro de 2006, quando o governo os isentou do pagamento de Imposto de Renda de 15% sobre os ganhos de capital obtidos com as aplicações. A tributação com o IOF seria feita no ato da operação de câmbio para efetivar a aplicação em títulos públicos. Ou seja, no ingresso dos recursos.

Sobre essa medida, especificamente, o ministro Mantega não quis falar, mas ele aproveitou uma reunião com parlamentares e governadores do PMDB, destinada à discussão da reforma tributária, para dizer que "o dólar está derretendo", que "esse é um problema que deve ser encarado" pelo governo e que a crise externa, originada das hipotecas de alto risco no mercado de crédito imobiliário americano, é mais grave do que parecia.

A isenção do IOF nas operações de câmbio para exportação é outra medida de redução de custos para os exportações que, somada à liberação da cobertura cambial, repõe um pedaço da perda de competitividade gerada pela valorização do real frente ao dólar. Não se espera, no governo, que isso dê um novo impulso às exportações. Acredita-se, no entanto, que são medidas de limpeza das regras do mercado de câmbio - que remontam ao governo de Getúlio Vargas - e sempre ajudam a facilitar a vida do exportador.

Toda a preocupação do governo está voltada para a valorização do real que, associada ao forte crescimento da economia, pode produzir problemas nas contas externas no médio prazo. As transações correntes do balanço de pagamentos do país, após cinco anos consecutivos de superávits, este ano terão déficit. Isso não chega a ser um problema se for um pequeno déficit, plenamente financiável pelos investimentos estrangeiros.

O que o governo pretende com esse conjunto de medidas é conter as contas correntes, que são produto do saldo comercial e da balança de serviços do país, em um patamar que não venha a restabelecer os sinais de vulnerabilidade externa. Essa é uma decisão política de Lula.

Com o dólar "derretendo", conforme expressão do ministro da Fazenda, as exportações estão crescendo a taxas bem inferiores ao aumento das importações, reduzindo de forma acelerada o superávit comercial, enquanto que a balança de serviços é sempre deficitária. No primeiro bimestre, as exportações aumentaram 20%, enquanto as importações foram 50% maiores na comparação com igual período do ano passado.

Reduzir ou acabar ainda que gradualmente com a cobertura cambial das exportações - hoje só 30% dos recursos decorrentes do pagamento de exportações podem ser mantidos no exterior - é uma medida que ajuda a reduzir tanto os custos das exportações quanto das importações, pois podendo deixar todos os recursos fora do país, os maiores exportadores, que em geral são também os maiores importadores, ficam livres dos custos bancários que incorrem hoje. Eles poderão pagar as importações diretamente com o dinheiro deixado lá fora. Com isso, entrariam menos dólares no país, freando a valorização da moeda nacional. Nesse aspecto, porém, poucos crêem na efetividade dessa medida, já que os juros domésticos são atraentes demais para os exportadores deixarem suas receitas no mercado externo.

Aos políticos, Mantega deixou um claro alerta que a crise nos mercados financeiros e de capital em diversos países "é muito séria" e "está se agravando". E a temida recessão na economia americana, disse, é hoje uma hipótese mais próxima do que já foi.

Para o ministro, o elevado nível das reservas cambiais, na casa dos US$ 200 bilhões, foi fundamental para o país não sofrer tanto com a crise externa dessa vez. Por isso, informou ele aos parlamentares, "a política de aumento das reservas vai continuar". Por outro lado, Mantega reconheceu que a crise externa representa risco para a economia brasileira, sobretudo no que se refere à balança comercial.

Uma das formas de reforçar a imunidade do país, na sua visão, é melhorar as condições de desenvolvimento do mercado interno. Graças à forte demanda interna, disse ele, "temos hoje certa autonomia externa". Mas continuar trilhando esse caminho, acrescentou, exige novas reformas, entre elas a tributária.