Título: Governadores pressionam por compensação
Autor: Costa , Raymundo , Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2008, Política, p. A6

A equipe econômica e os governadores do Sudeste, inclusive os da oposição, já conversam sobre o projeto de reforma tributária enviado pelo governo ao Congresso. Um dos pontos em torno do qual deve-se chegar a um acordo é a elevação de 2% para 4% para a cobrança do ICMS na origem dos produtos. A negociação, no entanto, não significa que a reforma já disponha de apoio para ser aprovada: os governadores dizem que apóiam a proposta, mas a maioria ainda não fez as contas sobre seu impacto na economia dos Estados e os poucos que fizeram avaliam que vão perder muito e exigem mudanças no projeto do governo federal.

Ontem o ministro Guido Mantega (Fazenda) se reuniu com a bancada e governadores do PMDB, partido que se define como uma espécie de "base federativa", por estar profundamente enraizado aos interesses regionais. Ficou claro que uma das grandes preocupações de governadores e deputados do PMDB é o Fundo de Equalização de Receitas (FER), o mecanismo pelo qual os Estados que perderem arrecadação serão compensados.

Os governadores temem que o FER se transforme em uma nova Lei Kandir, objeto anual de uma queda-de-braço entre os governadores de Estados exportadores e o Ministério da Fazenda. Ficou acertado que, depois da Páscoa, haverá uma reunião com os secretários de Fazenda para discutir o mecanismo de compensação. Os governadores querem que o fundo seja inscrito na Constituição, como atualmente são os fundados de participação.

Os governadores também querem saber qual será exatamente a composição do fundo. Por exemplo, o Fundo de Equalização de Receitas é composto pelo IPI de exportação e pela Lei Kandir. "Ou seja, o fundo é composto com o que já é repassado hoje para os Estados", reclamou o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, um dos que considera mais prejudicado com a reforma. Mantega prometeu que o fundo vai contar com outras fontes, mas não disse quais.

Os governadores que já fizeram cálculos sobre o impacto da proposta detectaram também uma inconstitucionalidade: pelo projeto enviado, os Estados deixam de cobrar por produtos importados. A explicação da equipe econômica é que, originalmente, o projeto zerava a cobrança do ICMS na origem; em seguida colocou-se os 2% a pedido de governadores, mas esqueceu-se de estabelecer a mesma alíquota em relação aos importados.

As negociações para a elevação da alíquota de 2% para 4% envolvem o governo federal e os governadores José Serra (SP), Sérgio Cabral (RJ), Aécio Neves (MG) e Paulo Hartung (ES). Dois pemedebistas e dois tucanos. Há expectativa entre os governadores em relação à reação dos Estados do Centro-Oeste, exportadores de bois e soja, quando eles concluírem as contas. Avaliam que eles engrossarão o coro contra a proposta governamental.

Alguns governadores estão desapontados com Serra. Não por ele conversar com o governo, mas por entenderem que o tucano poderia pegar o projeto, "botar debaixo do braço" e conversar com todos os governadores sobre um grande projeto nacional, tendo como objetivo a redução da carga tributária.

"Não dá pra ele ficar se escondendo em São Paulo sem procurar o Eduardo Braga (AM) para conversar, por exemplo. A Zona Franca já foi prorrogada por mais 10 anos por Lula e não há muito mais o que fazer", disse um governador. O mesmo se aplicaria em relação ao governador Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, para uma conversar sobre o Nordeste. "O Eduardo vai ser o mesmo Eduardo que vai estar lá em 2010. Já o Lula está fazendo isso direitinho".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, saiu "revigorado", como ele próprio definiu, das mais de quatro horas de reunião que manteve ontem com o PMDB, para discutir a proposta de reforma tributária apresentada ao Congresso no último dia 28. Os pemedebistas mostraram muita intranqüilidade com os efeitos das mudanças sobre as finanças estaduais. Ainda assim, o ministro saiu animado com a possibilidade de aprovação da reforma, porque diversos governadores e parlamentares do partido manifestaram apoio à proposta, ainda que ela venha a implicar alguma perda para seus Estados.

O principal motivo de intranqüilidade de governadores e parlamentares do PMDB em relação à reforma é a incerteza quanto ao Fundo de Equalização de Receitas (FER). Quase todos que falaram durante a reunião pediram que o governo federal antecipe a elaboração da lei complementar que vai tratar do funcionamento, fonte e critérios de distribuição de recursos desse fundo, destinado a compensar eventuais perdas dos Estados com a redução da alíquota interestadual do ICMS. Essa redução implica transferir para o Estado de destino o direito à maior parcela do imposto, que hoje fica com o Estado de origem, nas vendas interestaduais. Em vez de 12% ou 7%, como é hoje, a alíquota será de apenas 2% na origem.

Governadores e parlamentares temem que o FER repita a frustração que tiveram com a Lei Kandir. A lei, editada em 1996, desonerou do ICMS as exportações de produtos primários e semi-elaborados, mediante compromisso da União de compensar as perdas dos Estados com tal desoneração. Na avaliação dos Estados, porém, o ressarcimento sempre ficou muito abaixo do razoável. O ministro reconheceu que os recursos da Lei Kandir carecem de garantia porque dependem de negociação a cada orçamento anual da União. Mantega assegurou que, com o FER, será diferente: "Não quero ser o ministro da Lei Kandir 2", disse ele, prometendo regras claras e estáveis quanto aos repasses da União para o FER e também quanto aos critérios de rateio para os Estados. Por outro lado, ele destacou que os Estados que ganharem receita com a reforma também deverão contribuir com a reposição de perdas dos que forem prejudicados inicialmente com a transição da origem para o destino.

Além do FER, uma preocupação geral, há preocupações específicas. O Espírito Santo, por exemplo, acha pequena a alíquota de 2% na origem para vendas interestaduais de gás natural. Paulo Hartung disse que essa alíquota frustra a expectativa do Estado de ter um significativo crescimento de receita com o aumento da produção e do fornecimento de gás a outros Estados nos próximos anos, cerca de R$ 600 milhões anuais.