Título: Medidas para conter alta do real podem ser inócuas
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Fonte: Valor Econômico, 12/03/2008, Opinião, p. A14

O governo estuda uma série de medidas para conter a valorização do real. Em primeiro lugar, é preciso dizer que algumas das alternativas que estão na mesa dos técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central indicam uma simplificação das regras cambiais e qualquer passo nesse sentido é bem-vindo. Há, entretanto, uma questão conjuntural que pode tornar as medidas inócuas em relação ao objetivo proposto de redução da apreciação cambial: a atual política monetária de viés conservador.

Uma das principais sugestões em análise é o fim da isenção da alíquota de 15% do Imposto de Renda de aplicações estrangeiras em renda fixa e em títulos públicos. O governo poderia vir a restabelecer o imposto - alternativa que só poderia entrar em vigor em 2009, por conta do princípio da anterioridade - ou taxar o investidor externo com a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na operação de câmbio. Em Brasília, a preferência parece ser a adoção do IOF, medida que permitiria ainda ao governo recuperar parte da arrecadação perdida com o fim da CPMF.

A não-taxação dos investidores externos nas aplicações em títulos públicos foi adotada pelo governo em 2006, com o principal objetivo de alongar a dívida interna brasileira. Em janeiro daquele ano, o prazo médio da dívida era de 28,8 meses e os títulos atrelados à taxa básica Selic representavam 52,6% do estoque. Dois anos depois, em janeiro passado, o prazo médio subira a 40,25 meses e os papéis atrelados à Selic haviam se reduzido a 31,9% da dívida. A isenção do imposto, portanto, contribuiu inequivocamente para o alongamento da dívida, embora tenha criado um desequilíbrio no tratamento dado a investidores estrangeiros e brasileiros.

O setor industrial, em especial, tem reclamado que a isenção de imposto dada a aplicadores externos trouxe uma enxurrada de dólares para o país, com impacto sobre a apreciação cambial. A verdade, entretanto, é que o fluxo externo tem sido impulsionado pelo grande diferencial entre a taxa de juro paga no mercado interno e a fixada por bancos centrais de outros países, inclusive emergentes. Ainda que o governo volte a taxar os investidores externos, seja com a alíquota do IR ou o IOF, a alta taxa de juro paga no país continuará a ser o principal fator de atração do capital externo. Além disso, quando vigorava a alíquota de IR, os bancos criavam mecanismos para evitar o pagamento do tributo. Um deles era a emissão no exterior de um título que espelhava as mesmas características e condições do título público. O banco - que é isento do recolhimento - comprava o título no país e repassava os ganhos ao seu cliente no exterior.

A adoção do IOF, segundo especialistas, pode ter o efeito pretendido pelo governo, de redução do fluxo, mas apenas se a alíquota for alta. Caso contrário, não seria suficiente para compensar o diferencial de taxa de juro. Ainda assim, crêem, seu efeito seria de curto prazo.

Outra medida que pode se tornar inócua na contenção da alta do real, ainda que bem-vinda, é o fim da exigência de cobertura cambial das exportações. Hoje, ao menos 70% das receitas de exportações de empresas brasileiras têm de ser trazidas ao país e no máximo 30% podem ser mantidas no exterior. A alternativa em análise prevê que 100% das receitas poderiam ser deixadas pelas empresas fora do país. A redução da exigência de cobertura cambial é uma reivindicação antiga de grandes exportadoras brasileiras, como a Vale e a Embraer. Muitas dessas companhias, entretanto, não têm atingido nem mesmo o limite máximo de manutenção dos recursos no exterior. O motivo, mais uma vez, é a taxa de juro doméstica. O exportador prefere fechar Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC) e aplicar os recursos dentro do país. Assim como o investidor estrangeiro, as exportadoras têm ganhado duas vezes com a operação: com a rentabilidade da aplicação e com a apreciação cambial.

Medidas que simplificam as regras do câmbio e que dão mais liberdade às empresas de como usar seus recursos são dignas de elogio e colocam o país em linha com as economias desenvolvidas. Elas não podem, entretanto, ser apresentadas como a salvação para a redução da apreciação da moeda brasileira neste momento em que grandes economias reduzem suas taxas de juro, ampliando ainda mais o estímulo para a entrada de capitais externos no Brasil.