Título: Base recordista aprova menos
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2005, Política, p. A5

Com um orçamento maior do que a maior parte das capitais brasileiras, é natural que a Câmara dos Deputados abrigue disputas renhidas a cada dois anos. O Congresso vive o clima de eleição municipal que falta ao Distrito Federal. Mas, pelo caráter corporativo que acaba tomando, com as discussões sobre salário de parlamentares, verbas de gabinete e mudanças de procedimentos, suscita um desinteresse comum a mais morna das disputas eleitorais. O descaso do eleitor comum é diametralmente oposto ao interesse do governo na disputa. Sem o controle sobre as mesas, a despeito de todos os discursos em torno da independência dos poderes, governo algum é capaz de tocar sua pauta legislativa. O que está em jogo na eleição desta segunda-feira é o futuro das relações do Executivo com o Legislativo numa segunda metade de governo em que há mudanças substantivas na base de sustentação e uma difícil agenda parlamentar. Dados coletados pelos cientistas políticos Fabiano Santos e Márcio Grijó Vilarouca, do Iuperj, mostram por que a disputa pela presidência da Câmara é mais crucial para o governo Luiz Inácio Lula da Silva do que o foi para os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

Os dados, publicados na última edição da revista "Inteligência", indicam que o governo Lula teve, em seus dois primeiros anos, uma taxa de sucesso na aprovação de projetos de lei de sua iniciativa inferior ao observado nos anos FHC (ver tabela ). No balanço da produção legislativa, Santos e Vilarouca encontraram ainda uma estabilidade na taxa de aprovação do governo entre 2003 e 2004. O dado confronta a tese de que o caso Waldomiro Diniz, que neste domingo completa um ano, aliado às eleições municipais, paralisaram o Congresso. Isso ajuda mais a entender o poder de acomodação das relações entre os poderes. A perda de prestígio do ministro José Dirceu pode ter mudado o eixo das relações do governo com seus aliados, mas não as comprometeu. São os pecados de origem e não os adquiridos durante o mandato que dificultam a vida de Lula no Congresso. É pela heterogeneidade da base de apoio e pela administração de uma agenda herdada do governo anterior que os cientistas políticos explicam os percalços de Lula no Congresso. Vilarouca cita o apoio de cerca de 50% do PFL e do PSDB à reforma da Previdência como um diferencial entre os dois governos. "Ao contrário de FHC, Lula depende da oposição", diz Vilarouca. É uma dependência que colide com uma base parlamentar que já se considerou mais confortável do que a montada por FHC. "Essa maioria não foi capaz de encobrir a heterogeneidade da base e acomodar suas diferenças", diz. São dificuldades que não impediram, por exemplo, a aprovação da Lei de Falências depois de 11 anos de tramitação e de uma reforma da Previdência mais radical do que quaisquer das tentativas empreendidas pelo governo FHC. Mas o padrão de dificuldades nas relações de Lula com o Congresso pode ser medido ainda pelo volume de medidas provisórias editadas neste governo. Nos cálculos dos cientistas políticos do Iuperj, a média mensal nos oito anos de FHC foi de 4 MPs, subindo, no governo Lula, para 5,5. Na análise ano a ano das MPs, no entanto, percebe-se que não é a mudança de governo que eleva o número de medidas provisórias mas a nova lei sobre sua edição que entrou em vigor em 2001. A média mensal de MPs duplica entre 2001 e 2002 com a mudança nas regras e mantém-se elevada no governo Lula. A reedição das medidas provisórias, prevista na regra anterior, protegia a base governista. Com a nova lei, a base governista é obrigada a votar, expondo-se e explicitando sua heterogeneidade e dissensos. Pelas novas regras, as MPs não votadas trancam a pauta, o que, para os cientistas políticos do Iuperj, ajuda a explicar o menor número de projetos de lei aprovados pelo governo Lula. O ano legislativo que se inicia tem uma agenda com temas espinhosos como a reforma sindical, a autonomia do Banco Central, a unificação do ICMS e a Lei de Biossegurança. O grau de sucesso do governo em conduzi-la passa pelo resultado da eleição desta segunda em que todos os candidatos prometem enfrentar a questão das medidas provisórias. Mas o sucesso dos governistas depende, principalmente, da capacidade de se conciliarem base e agenda. A megalomania petista de formar a maior coalizão no Congresso para aprovar a mais radical pauta de reformas do país terá que dar lugar a planos mais realistas se o governo não quiser escancarar suas dificuldades nesta segunda metade de sua agenda legislativa.