Título: "Episódio amadureceu o Ministério Público", diz Fonteles
Autor: Maria Lúcia Delgado e Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2005, Política, p. A6

O caso Waldomiro Diniz ajudou o Ministério Público Federal a refletir sobre suas condutas e contribuiu com a "maturidade institucional" dos procuradores. A opinião é do procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Para ele, o caso Waldomiro foi importante para mostrar que as ações contra autoridades do governo, empresas, ou quem quer que seja, devem ser tocadas com impessoalidade, sem abusos por parte dos procuradores. Os procuradores não devem escolher alvos para suas ações, explicou Fonteles. "Deve prevalecer o princípio do promotor natural", completou, ao referir-se à regra pela qual os procuradores atuam de acordo com o foro de sua competência. Apesar de reconhecer a importância do caso Waldomiro, Fonteles não classifica o escândalo de integrantes do MPF que combinaram as denúncias contra o ex-assessor do Planalto com o bicheiro Carlos Cachoeira, durante a madrugada, na sede do MPF, como um divisor de águas na instituição. O divisor, segundo Fonteles, está no caso Banestado. Nele, 200 pessoas foram denunciadas criminalmente e R$ 200 milhões foram recuperados, lembra Fonteles. "Neste caso, houve integração e colaboração entre os procuradores", explicou. A seguir, os principais trechos da entrevista. Valor: Um ano depois do caso Waldomiro, o que mudou na atuação do Ministério Público Federal? Claudio Fonteles: Na minha filosofia de trabalho, um caso não muda nada. O importante é criar um verdade institucional para um momento histórico. E qual foi a verdade que eu quis criar aqui dentro? Foi o que chamei de processo de maturidade institucional. Isso significa começar um forte trabalho em equipe. Estou dando continuidade a isso, fazendo visitas às sedes do MPF no país todo, discutindo posturas institucionais. É não se ocupar com o caso, mas ter uma linha de atuação para todos os casos. É claro que um ou outro caso se destaca, mas como conseqüência de um trabalho que tem uma diretriz. Antes, não havia isso. Hoje, há uma cultura de intervenção do MPF com as instâncias de investigação do Poder Executivo. Valor: Mas o caso Waldomiro não ajudou neste processo de maturidade do MPF? Fonteles: Também. É verdade. Mas dentro deste contexto maior. Esses casos fazem com que o MPF se fortaleça, se enraize. Valor: Como o caso Waldomiro ajudou neste processo de maturidade do MPF? Fonteles: Olha, eu acho que ajudou numa reflexão que fazemos de se preservar o princípio do promotor natural, que é uma garantia da cidadania. Significa que o procurador é definido para os casos de maneira impessoal, por regras previamente estabelecidas. No caso das cotas de negros, por exemplo, um colega que não tinha atribuições para fazer a ação, o fez. Ali, se questionava um ato da Universidade Federal do Paraná e ele fez a ação em seu município, e não na capital. Então, nós estamos hoje no MPF refletindo sobre essas condutas de atuação, o que é muito importante. A impessoalidade é vital. Valor: O caso Waldomiro foi um choque maior contra esses princípios de condutas? Fonteles: Sim, por causa da maneira como foi feito. Vocês noticiaram: os encontros de madrugada, aqui na sede do MPF. Mas está fora da alçada do procurador-geral. Se vocês me perguntarem qual o andamento do caso, eu direi que não sei porque está fora da minha alçada. Eu não sou o promotor natural para este caso. É o tipo do caso que deve ficar entre 1º e 2º grau. Mas, as implicações que dele decorreram levaram a uma providência minha junto à Corregedoria. Valor: Como está a situação do José Roberto Santoro e do Marcelo Serra Azul (subprocuradores que receberam Carlos Cachoeira para tratar de denúncias contra Waldomiro)? Fonteles: Isso eu não sei porque está no nível de Corregedoria. Não sei, até porque me mantenho distante. Não é papo furado. O Dr. Wagner (Gonçalves, corregedor do MPF) é que tem feito o trabalho. Valor: O sr. conversou com o Santoro desde então? Fonteles: Não. Valor: Mas o sr. falava com ele antes? Fonteles: Falava como subprocurador geral. Mas ele nunca foi da minha equipe. Valor: Podemos dizer que o MP está dividido entre antes e depois do caso Waldomiro? Fonteles: Não. Acho que não. Sinceramente, para mim, não é tão vital. Acho que a maturidade é muito mais fruto do trabalho que fizemos. Você quer ver um caso mais paradigmático, mais forte do que este: a CPI do Banestado. Não a CPI propriamente dita, mas o nosso trabalho, as ações do MPF no caso Banestado. Hoje, nós temos mais de 200 pessoas denunciadas criminalmente. Até onde eu sei, recuperamos R$ 200 milhões. Na semana passada, mais um grupo foi acusado. Tivemos prisões. Este é um caso muito forte dessa união de esforços, deste trabalho de equipe. Valor: O que caracteriza a importância do caso Banestado? Fonteles: Acho que houve impessoalidade, equipe, integração. Os colegas se deslocaram para os estados, trocaram informações com o procurador-geral da República, foram para os Estados Unidos acompanhar uma prova testemunhal. Veja que coisa positiva: houve integração interna, integração internacional. As procuradoras em Brasília cuidaram das ações de improbidade contra os ex-presidentes e diretores do Banco Central, o pessoal do Paraná também atuou lá. Este é um caso modelo do MPF. Valor: E qual foi o seu trabalho no caso Banestado? Fonteles: Eu só fiz a articulação, que é o papel do líder. Agora, realmente, a base fez tudo. Valor: O sr. acha que hoje é mais difícil ocorrer um escândalo dentro do MPF, como o caso Waldomiro? Fonteles: Acho que está um pouco mais difícil tanto que não tem ocorrido.