Título: Ritmo forte eleva incertezas para 2008
Autor: Grabois ,Ana Paula ; Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Brasil, p. A10

Com o forte crescimento da economia no quarto trimestre de 2007 (acima das expectativas), as projeções para 2008 devem ser revisadas para cima e superar o atual quase consenso de 4,5%. A surpresa foi o comportamento do consumo das famílias, grupo de maior peso no Produto Interno Bruto (PIB). Nos três primeiros trimestres do ano passado, o crescimento em relação ao trimestre imediatamente anterior oscilou entre 1,5% e 1,6%, na série com ajuste sazonal. No quarto trimestre, esse crescimento saltou para 3,7% sobre o terceiro trimestre, um ritmo mais do que o dobro do PIB total, que ficou em 1,6% na mesma comparação.

Em relação ao quarto trimestre de 2006, o consumo das famílias cresceu 8,6%, também acima do conjunto do PIB, cuja alta ficou em 6,2% na comparação com o mesmo trimestre de 2006.

A revisão para cima das previsões para 2008 leva em conta o carry-over, um efeito estatístico pelo qual um determinado período é influenciado pelo desempenho de um período anterior. Como o crescimento do quarto trimestre de 2007 foi superior ao esperado, o carry-over para 2008 também subiu, o que significa que caso a atividade econômica se mantenha no mesmo nível do último trimestre de 2007, o PIB de 2008 crescerá 2,5% e não mais os 2% previstos anteriormente.

"A surpresa veio no consumo das famílias. Foi uma taxa muito alta, mas não deve ser uma tendência para 2008", diz a economista da consultoria Tendências Marcela Prada. Para a economista, o cenário de 2008 continuará positivo, puxado pela demanda interna, mas a economia não deve crescer no mesmo ritmo de 2007. "Apesar da trajetória muito positiva do investimento, se for mantido esse ritmo de crescimento de 5,4% do PIB pode haver pressão sobre a inflação", disse.

Para Sérgio Vale, da MB Associados, o ritmo de crescimento do consumo das famílias, muito estimulado por fatores como renda em alta, prazos mais longos nos empréstimos e taxa de juros mais baixas ao longo de 2007, não deve se repetir nos próximos trimestres de 2008. "Dessas três variáveis, apenas a renda continua em alta. Os juros pararam de cair e os prazos nos financiamentos estão estáveis", argumentou Vale. Ele prevê uma desaceleração no ritmo de crescimento da renda devido à perspectiva de inflação maior em 2008, principalmente aquela exercida pelos alimentos, mas aposta na continuidade do crescimento da economia neste ano e projeta alta de 4,7%.

"Mesmo que o PIB desacelere um pouco, vamos continuar no mesmo patamar. Será muito difícil não chegar a no mínimo 4,5% em 2008", completa Elson Teles, da corretora Concórdia. Na avaliação da equipe de economistas do Bradesco, os investimentos em alta são um alento para evitar uma eventual pressão sobre a inflação exercida pela demanda aquecida.

Os investimentos bateram recorde no quarto trimestre de 2007, com alta de 16% sobre o mesmo trimestre de 2006. O Bradesco diz que embora a expansão de investimentos tenda a ampliar a capacidade de produção, a proximidade de seu limite tem gerado desafios à condução da política monetária pelo Banco Central.

Os economistas do Bradesco acreditam que o BC tem motivos para manter um discurso duro devido à preocupação com o fato da demanda estar crescendo em ritmo superior ao PIB. O banco, cuja previsão de crescimento para o PIB de 2008 é de 4,5%, deve revisar sua projeção para cima nos próximos dias.

Na avaliação do economista Francisco Pessoa, da LCA Consultores, não há razão para vislumbrar pressão de demanda sobre a inflação, pois a taxa de crescimento do consumo das famílias no último trimestre de 2007 é "um ponto fora da reta" que não deve se repetir. "Olhando os dados do mercado de trabalho e do IPCA, não nos parece haver risco para o não cumprimento da meta de inflação", afirmou Pessoa. Ele prevê expansão de 4,5% do PIB em 2008, com viés de alta.

O economista Marcos Casarin, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), prevê que a economia brasileira continuará em forte trajetória de alta em 2008, de 5,2%, sustentada pelos investimentos já realizados e que estarão maturados ao longo de 2008, evitando que a capacidade instalada das fábricas chegue ao limite.

Para ele, o modelo de crescimento do país baseado na demanda interna é muito favorável para o controle da inflação, mas encontra problemas sérios de sustentabilidade por causa do câmbio valorizado. "O modelo de demanda interna pode durar mais tempo se houver uma correção via queda de juros. Se isto não ocorrer, o câmbio não vai parar de apreciar e o estrangulamento externo chegará mais rápido, com a redução do saldo da balança comercial e de serviços e consequente aumento do déficit em conta corrente", pondera Casarin. O déficit em transações correntes já chegou a US$ 1,2 bilhão em janeiro e as projeções para o ano chegam a até US$ 20 bilhões de déficit.

Os economistas acreditam que a crise americana pode afetar o Brasil mais no segundo semestre e reduzir as exportações, mas não enxergam grandes problemas. "Estamos com a casa arrumada, próximos ao grau de investimento e outros países do mundo estão crescendo", diz Vale, da MB Associados.