Título: Lei de Falências reforça a tendência do crescimento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2005, Opinião, p. A9

A sanção presidencial da Lei de Falências, há muito esperada, deve ser saudada como uma das boas iniciativas do governo Lula. Depois de anos mofando no Congresso Nacional - quase doze anos - a nova lei tem o mérito de juntar em um único e substancial documento os dispositivos legais que passam agora a orientar o destino das empresas em situação pré-falimentar. Houve tempo mais do que necessário para que o esboço do projeto de lei fosse detalhadamente e largamente discutido por juristas, congressistas, economistas, empresários e trabalhadores. Ninguém poderá dizer que foi surpreendido pelo texto sancionado pelo presidente, embora algumas críticas levantadas ao longo das discussões ainda persistam. O ponto central da nova lei é, sem dúvida, a figura da "recuperação judicial", que permite a execução de planos de salvação em empresas que sejam consideradas passíveis de recuperação. A partir dali, passa a ser considerada a possibilidade de a empresa em dificuldades requerer na Justiça autorização para implementar um plano de recuperação que deverá ser negociado com os credores. A idéia básica da lei é evitar que as empresas quebrem sem chances de tentar uma negociação com os credores onde, a partir do reconhecimento das dívidas, se estabeleça um cronograma de pagamentos no médio e longo prazos. Pela nova lei, a empresa terá 180 dias para chegar a um acordo com os credores, que deve ser aprovado pela maioria, enquanto mantém suas operações em funcionamento Em paralelo, ficam suspensas durante aquele período as ações e execuções contra a empresa devedora que tiver requerido a recuperação judicial. Isso substitui a figura da concordata preventiva, que, estigmatizada, acabava levando a empresa fatalmente à falência, com benefícios, muitas vezes, para os devedores. Outra grande mudança da nova lei é a que introduz nova classificação para os credores privilegiados. Antes, os créditos trabalhistas e fiscais tinham prioridade de recebimento em caso de falência. Agora, os créditos trabalhistas continuam tendo prioridade mas com o valor limitado a 150 salários mínimos. Já com relação aos créditos tributários a lei os coloca agora em segundo plano, abrindo espaço primeiro para o pagamento dos créditos com garantias reais, o que favorece as instituições bancárias cujos empréstimos estão sempre lastreados em garantias por parte do tomador. Por isso mesmo se diz que a Lei de Falências terá o efeito de reduzir o "spread" (taxa de risco) cobrado pelos bancos nas operações de crédito. Parte-se da suposição de que a incerteza judicial - ou seja, a dúvida quanto ao recebimento dos créditos bancários em termos de valor ou de prazo - representa um custo que é de alguma forma mensurado e embutido no risco dos empréstimos. Esse é um ponto importante, que levanta a partir de agora muita expectativa com relação ao tamanho dos juros cobrados pelo setor bancário. A área econômica do governo tem sido efusiva na avaliação de que a nova lei vai ter um papel importante no abatimento das taxas de juros no país. Os especialistas do setor e os próprios representantes dos bancos fazem agora um discurso mais moderado, indicando que as novas regras poderão ter, sim, efeito sobre a redução do "spread" bancário, mas isso só ocorreria a médio e longo prazos. Portanto, a lei terá ainda de ser testada na prática no que diz respeito aos reflexos sobre o custo do dinheiro. Também terá de ser testada a capacidade de entendimento entre a empresa e os credores com vistas à definição e implementação dos planos de recuperação. Acordos do gênero não estão na tradição da história do empresariado brasileiro, mais inclinado a práticas que tendem ao paternalismo que à gestão de caráter mais participativo. Isso, no entanto, não deve dar motivo para ceticismos. A nova lei representa um avanço no arcabouço jurídico com a perspectiva de que isso se traduza em avanço também na forma e na prática da gestão empresarial. Uma nova mentalidade, mais moderna e aberta às influências externas, tende a se consolidar nas empresas brasileiras com efeitos positivos sobre o crescimento econômico. É nesse âmbito, o do comportamento, que se deve reputar o maior efeito da Lei de Falências.