Título: Lula quer discutir destino de reservas com emergentes
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Brasil, p. A12

Lula: "Não podemos ficar com esse dinheiro só desvalorizando", disse o presidente sobre as reservas internacionais O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem que convidará os líderes de países como China, Índia e Rússia para discutir alternativas ao destino que os governos dão às respectivas reservas internacionais. Hoje, as reservas são, em grande parte, aplicadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, e contribuem para evitar quedas maiores na cotação da moeda americana e financiar o forte déficit no balanço de pagamentos daquele país. "Não podemos ficar com todo esse dinheiro lá só desvalorizando", argumentou Lula.

Lula revelou sua intenção de reunir os "detentores de reservas internacionais", durante discurso na mesa-redonda promovida pela revista "The Economist" com o governo brasileiro e grandes empresários, em evento com apoio do Valor. Ele garantiu que os bons indicadores da economia brasileira não farão o governo afrouxar no controle das contas fiscais. Avisou, porém, que o aumento do alcance das políticas sociais é uma prioridade do governo, e que gastos com educação e saúde trazem retorno positivo para a economia.

Lula anunciou ainda que, nos próximos dias, os ministros do Desenvolvimento, Miguel Jorge e da Fazenda, Guido Mantega, deverão divulgar a nova política industrial, que, segundo adiantou, "vai ter como base a política de exportação". O Brasil quer competir na exportação de manufaturados, defendeu o presidente, que criticou severamente o impasse nas negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC).

"É importante não ter dois discursos", acusou, ao lembrar que os países ricos, defensores da liberalização de produtos industriais, criam sobretaxas ao álcool e ao aço brasileiros e não abrem mão dos subsídios a seus agricultores. "Os Estados Unidos querem reduzir o subsídio de US$ 13 bilhões para US$ 17 bilhões, nunca vi reduzir para cima", ironizou, ao comentar que o limite aceito pelo governo americano para seus subsídios agrícolas é bem superior ao efetivamente praticado hoje em dia.

Lula reconheceu que há grande preocupação entre os empresários com um relaxamento no controle das contas públicas, provocado pelo otimismo com a economia, mas garantiu que o governo não cairá nessa tentação. "Não admitirei que alguém pense que os problemas estão resolvidos, a economia consolidada e que vamos gastar; não há hipótese", assegurou o presidente. "Minha formação econômica é de assalariado: toda vez que gasta mais do que ganha, quebra a cara."

Lula confirmou que, ao conversar com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sobre a divulgação dos bons indicadores sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), recomendou que se evitasse euforia, "se não vai ter gente querendo aprovar o que não pode aprovar".

Se quiser incluir as milhões de pessoas necessitadas no país, porém, o governo "terá de gastar", comentou Lula, que, em uma cerimônia, criticou "uma parte da elite brasileira", a quem acusou de considerar como "gasto" as verbas destinadas aos pobres, e "investimento" o dinheiro destinado às camadas mais ricas da população. Se comparadas as despesas com o serviço que o Estado oferece à população, o governo "talvez gaste demais", mas o gasto é insuficiente se comparado com as necessidades da população, argumentou. "Quero ser bastante agressivo nas políticas de distribuição de renda", anunciou. Lula ressalvou, no entanto, que será "cauteloso" na administração das contas públicas. "O momento não é de euforia, é de responsabilidade."

Respondendo às perguntas de empresários, previamente selecionadas, o presidente declarou que vê como prioritárias as reformas política e tributária. Ainda no discurso, disse ser otimista em relação à reforma tributária, que acredita ser possível aprovar neste ano. Como razão para o otimismo, citou as reuniões que promoveu com empresários, sindicalistas e integrantes da oposição, de quem disse ter recebido a aprovação para os termos gerais da reforma, e objeções quanto a "detalhes". "A oposição passou oito anos falando em reforma tributária; agora está lá, é só votar."

Assegurando estar passando por um momento de "tranqüilidade", Lula garantiu que, apesar disso, tem acompanhado com preocupação as movimentações no mercado internacional, ao lado da equipe econômica. Ele ironizou os analistas econômicos internacionais, com quem se encontrou nas viagens internacionais, "sempre com palpites sobre a Bolívia, o Brasil, sem nunca terem pisado nos países".

"Não é melhor discutir por que esse pessoal que sabia de tudo, não sabia do subprime?", ironizou, referindo-se à crise do mercado hipotecário americano que desencadeou a atual incerteza nos mercados financeiros mundiais. "Graças a Deus o mercado financeiro brasileiro não está envolvido; mas também, com os juros que nós cobramos", gracejou.