Título: Gilmar Mendes contemporiza relação entre Poderes ao tomar posse no STF
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Política, p. A17

Gilmar Mendes: "É natural que haja reclamações em relação ao Supremo" Eleito ontem presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes reconheceu que algumas decisões recentes da Corte provocaram tensões com o Congresso, mas enfatizou que este é um processo natural nas instituições e que o STF sabe que não deve substituir o trabalho dos parlamentares.

"Quando o tribunal declara inconstitucional uma lei que é obra do Congresso Nacional, é claro que provoca alguma tensão ou alguma insatisfação. Então, é natural que haja reclamações em relação ao STF", disse o futuro presidente do Supremo.

As tensões com o Congresso foram intensificadas no ano passado. O tribunal decidiu, por exemplo, que o mandato dos políticos pertence ao partido que os elegeu. A decisão teve o objetivo de frear o troca-troca partidário, mas provocou críticas do Congresso. O tribunal também tem sido bastante atuante nas CPIs, decidindo sobre a regularidade de investigações parlamentares. "O tribunal tem a noção de que não pode substituir-se ao legislador", disse. "O Legislativo é fundamental para a democracia viva que queremos."

Mendes assumirá a presidência do STF em 23 de abril para um mandato de dois anos. Ele substituirá a ministra Ellen Gracie que, somente em 2007, inaugurou três mecanismos da reforma do Judiciário: a súmula vinculante, a repercussão geral e o processo eletrônico no STF. Ao final deste mês, Mendes deverá assumir o comando do Conselho Nacional de Justiça, mas, para tanto, terá de passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e por aprovação no plenário.

A eleição do presidente do STF é um processo formal, sem candidatos. O escolhido é sempre o mais antigo pela ordem de ingresso na Corte. Depois de Mendes, entraram no STF, pela ordem: Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Carlos Alberto Direito. Destes, apenas Grau e Direito não assumirão a presidência, pois deixarão o STF antes do prazo, ao completarem 70 anos.

Mendes foi eleito por nove votos a um. O voto contrário foi dele mesmo, que votou em Peluso. Peluso foi eleito o vice-presidente pelo mesmo placar. Ele votou em Britto para vice. Joaquim Barbosa faltou à votação porque está de licença, com fortes dores na coluna. Peluso elogiou o sistema de escolha da presidência do STF, que impede disputas políticas entre os ministros. "Quero cumprimentar a Corte por este apoio militante a este sistema de eleição que a põe a salvo de todos os conflitos de ambições pessoais que desprestigiam a função jurisdicional", disse o futuro vice-presidente.

Após a eleição, Mendes afirmou que pretende focar a sua gestão nos mecanismos que permitem solucionar a crise de excessos de processos no Judiciário: a súmula vinculante e a repercussão geral. A primeira obriga os juízes e o poder público a seguir as decisões do STF. A segunda permite ao tribunal separar para julgamento apenas os processos relevantes à Constituição e que extrapolam o interesse individual das partes envolvidas. "Vamos continuar perseguindo esses objetivos, de implementação da reforma do Judiciário".

O novo presidente do STF também considera muito importante a consolidação do CNJ, que começou a funcionar em 2005, com o objetivo de ser um órgão de controle do Judiciário. "O CNJ tem uma função importante, de coordenação, de planejamento, das atividades administrativas do Poder Judiciário", afirmou.

Mendes foi indicado ao STF pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002, quando era advogado-geral da União. Na época, destacou-se pelo afinco com que defendeu o governo em processos tributários. Desde então, Mendes é visto dentro de uma corrente de ministros "pragmáticos" no STF, que reconhecem os problemas financeiros da União ao proferir votos.

Mendes foi o primeiro titular da AGU a fazer defesas orais junto ao STF. Em sua gestão o cargo ganhou o "status" de ministro. Na AGU, também se destacou na defesa do governo contra ações de improbidade propostas por procuradores. Hoje, no STF, combate excessos cometidos em investigações do MP e da Polícia Federal. No ano passado, chegou a chamar de "canalhice" o vazamento da informação de que ele teria sido citado em investigação da PF, quando se tratava de um homônimo.

Mendes também foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, no governo FHC e trabalhou com o hoje ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando este ocupou a pasta da Justiça, entre 1995 e 96. O novo presidente do STF é considerado o principal nome no país na questão do "controle constitucional" - tese pela qual cabe ao STF dar as diretrizes sobre a interpretação da Constituição aos demais tribunais do país.

Um dia depois de eleito presidente, Mendes será julgado pelos colegas da Corte. O STF discute hoje ação de improbidade proposta pelo MP contra Gilmar. Alguns procuradores entraram com a ação quando Gilmar era da AGU e se recusou a prestar informações sobre a contratação de servidores. Na época, os procuradores disseram que a contratação era ilegal. Agora, o STF terá de definir como julgar um de seus pares.