Título: Governo cede aos Estados e consegue aprovar Orçamento
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Política, p. A18

A pressão de governadores do PSDB e o recuo da base governista em relação a um corte de quase R$ 700 milhões nos repasses da União para Estados exportadores evitaram que a oposição obstruísse a votação do projeto de orçamento da União para 2008. Com a desistência do DEM e do PSDB de utilizar mecanismos regimentais para derrubar a sessão, o Orçamento foi aprovado pelo Congresso Nacional, ontem à noite. Com isso, tornou-se desnecessária a enxurrada de Medidas Provisórias de crédito extraordinário que o governo ameaçava editar para dar prosseguimento a obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A trégua dada pelos oposicionistas, porém, foi específica para o Orçamento - que autoriza investimentos de R$ 37 bilhões no âmbito fiscal e da seguridade social. No início da tarde, as lideranças do DEM e do PSDB na Câmara e no Senado anunciaram que, votada a proposta orçamentária, os dois partidos entrariam em obstrução por tempo indeterminado, para evitar a aprovação de toda e qualquer Medida Provisória, em qualquer uma das duas Casas. Indiretamente, ficarão impedidas também outras votações, por causa da regra constitucional de sobrestação da pauta em caso de MP.

Segundo o líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA), o movimento obstrução durará "até que o governo pare de editar Medidas Provisórias e poderá chegar, inclusive, às comissões das duas Casas", paralisando completamente os trabalhos legislativos.

As relações entre governo e oposicionistas, que já não estavam em sua melhor fase, se deterioraram ainda mais na madrugada de ontem, durante uma sessão do Senado, por causa da aprovação da Medida Provisória de criação da TV Brasil. A oposição ficou indignada com a forma pela qual a liderança do governo contornou as tentativas de obstrução. Sentiu-se "amordaçada" pelo requerimento de encerramento da discussão e pelo pedido de rejeição de outra Medida Provisória, que tratava de outro tema. Ambos os pedidos foram feitos pelo líder governista Romero Jucá (PMDB-RR), para apressar a sessão, evitar o seu esvaziamento e facilitar a votação do mais que interessava ao governo naquele momento, que era a manter a TV. "Não queremos mais interlocução com Romero Jucá", reagiu posteriormente o líder do PSDB no Senado, senador Arthur Virgílio (AM).

Na tarde de terça-feira, o Orçamento já tinha sido objeto de acordo entre governo, sua base e os dois maiores partidos de oposição. Na madrugada de quarta, porém, os conflitos no Senado ressuscitaram o risco de obstrução da proposta orçamentária. O risco só foi superado porque os governadores José Serra, de São Paulo, Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, e Aécio Neves, de Minas Gerais, todos do PSDB, dispararam telefonemas a diversos líderes e outros parlamentares. Segundo contou ao Valor o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), os governadores fizeram forte apelo para que a oposição não deixasse o orçamento ir a voto sem acordo, sob pena de seus Estados, todos exportadores, perderem recursos previstos no projeto para compensações da Lei Kandir (ressarcimentos pela desoneração tributária de exportações de produtos primários e semi-elaborados).

Essa possibilidade existia porque o governo teria número suficiente de deputados e senadores para garantir a sessão do Congresso e a aprovação do orçamento. E a pedido da base governista, a versão do relatório que iria a voto, em caso de não haver acordo, tiraria cerca de R$ 700 milhões da Lei Kandir para repor gastos com subsídios à agricultura e, ainda, com custeios e investimentos do Judiciário. Com o acordo de ontem à tarde, o dinheiro da Lei Kandir em 2008, no total de R$ 5,2 bilhões, foi preservado, informou o relator geral do projeto, deputado José Pimentel (PT-CE).

Para atender às demandas da base aliada, foi feita, então, uma errata à reestimativa de arrecadação. O relator da receita, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), acrescentou R$ 750 milhões ao montante previsto de arrecadação líquida, tecnicamente baseado no comportamento do imposto de importação no início deste ano, cuja receita subiu 46% em relação a janeiro de 2007. Segundo o deputado Gilmar Machado (PT-MG), do montante acrescido, R$ 450 milhões foram para subsídios agrícolas e defesa sanitária animal, R$ 65 milhões para o Judiciário, R$ 150 milhões para a saúde. Houve recursos para fiscalização de áreas de proteção ambiental.

Os líderes da base aliada também cumpriram a promessa de derrubar a polêmica lista de obras decorrente de emendas parlamentares que reproduziam, em parte, o Anexo de Metas e Prioridades da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2008, incluído pelo Congresso quando de sua aprovação, em julho de 2007. Em função do acordo, os R$ 534 milhões até então destinados ao anexo foram redistribuídos para outros projetos, de interesse dos Estados.

O Executivo não queria o anexo. Mas, a pedido da base aliada, estava disposto a mantê-lo, na hipótese de votação do Orçamento sem acordo. O PSDB e o DEM pediram o fim da lista, por entender que ela privilegiava alguns parlamentares em detrimento de outros.

O acordo entre as lideranças garantiu ainda a reposição de R$ 224 milhões para as obras do Rodoanel de São Paulo, que tinham sido cortados do projeto.

Mesmo aceitando o acordo, o PSDB e o DEM faziam questão de marcar posição. Como a base aliada tinha certeza quanto ao número suficiente de deputados e senadores presentes, ficou acertado que haveria votação nominal. Entre os deputados, o Orçamento foi aprovado por 404 votos a favor, 12 contra e uma abstençao. Entre os senadores presentes, foram 56 votos favoráveis, nenhum contra e nenhuma abstenção.

Apesar do acerto em torno do orçamento, o "clima" político foi tenso durante toda a tarde. Dentro e fora do plenário do Congresso, os parlamentares de oposição reclamaram do episódio da madrugada. Sobraram críticas até para o presidente do Senado, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), que, por sua vez, viu "exacerbação" dos oposicionistas.

A Medida Provisória da TV Brasil cairia por decurso de prazo no dia 21. Por isso, o governo decidiu jogar. Os senadores de oposição reagiram se retirando do plenário e acusando o governo de agir com autoritarismo.