Título: Crise de energia na região deve servir de alerta ao Brasil
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Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Opinião, p. A20

É séria a crise energética na América do Sul. Nas últimas três semanas, os governos de três países vizinhos ao Brasil, que têm laços comerciais e políticos muito próximos, tiveram de reconhecer que são grandes os riscos da falta de energia e anunciaram providências para tentar contornar o problema, que pode até ameaçar o ciclo de crescimento da região. Empresas que atuam em vários países da América do Sul informam que temem entraves à produção por escassez de energia e também prevêem um aumento de custos pela necessidade de investir na elevação da oferta ou por projetarem que será preciso recorrer a fontes mais caras, como o petróleo, cujo preço vem batendo recordes de alta quase todos os dias nas últimas semanas.

A situação energética do Brasil é melhor, garantem as autoridades. Mas as dificuldades desses países devem servir como um alerta para que Brasília adote medidas para evitar a repetição de problemas nesse setor.

O caso mais conhecido entre nós é o da Argentina, até porque lá o desequilíbrio entre oferta e demanda de energia não é de hoje. O evento mais recente das várias tentativas de Buenos Aires de minimizar o problema ocorreu no fim de fevereiro, quando os governos brasileiro e argentino assinaram um amplo acordo na área energética, para diversificar as fontes de energia para os dois países a médio e longo prazo. Mas a questão emergencial de curto prazo - o suprimento de gás para a Argentina no próximo inverno - não foi equacionada. Uma negociação para que o Brasil cedesse parte de sua cota do gás boliviano para a Argentina fracassou porque os brasileiros não podem abrir mão dessa fonte energética.

Em mais um lance com o mesmo objetivo, a Argentina pediu ao governo brasileiro a transferência de uma cota de até 1.500 megawatts, em média, entre os meses de maio e agosto (ou seja, durante o inverno). A resposta brasileira, como mostrou o Valor na sua edição de ontem, foi prudente, preferindo esperar até o fim deste mês, quando o período de chuvas termina, para avaliar se é possível ao país ceder à reivindicação do governo de Cristina Kirchner sem prejudicar a oferta no mercado doméstico.

No Chile, a presidente Michelle Bachelet anunciou, na semana passada, que o país corre risco de enfrentar um racionamento ainda neste mês. A falta de energia foi agravada pela escassez de chuva, em 2007 e neste ano, e pelo corte no envio de gás da Argentina. O gasoduto, que levava da Argentina ao Chile 15,6 milhões de metros cúbicos por dia em janeiro de 2007, transportou apenas 1,2 milhão em janeiro deste ano. Além disso, uma das centrais geradoras chilenas está fora do sistema de distribuição integrado por seis meses, para manutenção.

Para enfrentar essa dificuldade, o governo chileno já anunciou uma série de projetos para ampliação da oferta, alguns deles à espera de financiamento. Os planos de investimentos em produção e distribuição somam US$ 17 bilhões se forem considerados os anos de 2007 a 2011. Além de ter que buscar os recursos para bancar esse programa, um outro lado da questão poderá atrasar os projetos: os investimentos para ampliação da oferta de energia não ocorre apenas no Chile, mas em várias partes do mundo. Por isso, há falta de equipamentos e de mão-de-obra para tocar empreendimentos nesse campo.

Além da Argentina e do Chile, a Bolívia também sofre com a questão energética. Na terça-feira, foi lançado um programa de economia de energia num momento em que especialistas do setor apontam a possibilidade de falta de eletricidade. O presidente Evo Morales apontou a iniciativa privada como responsável pela falta de segurança energética. As autoridades negam haver a ameaça de apagão. O programa, patrocinado pela Venezuela, com o apoio técnico de Cuba, pretende substituir 5,8 milhões de lâmpadas comuns por outras florescentes produzidas na China. O setor elétrico foi privatizado em meados da década de 90, atraindo empresas principalmente dos EUA e da Espanha. Segundo os dados oficiais, a oferta elétrica da Bolívia é de aproximadamente mil megawatts, enquanto a demanda chega a 980 megawatts. Desse total, 40,3% têm origem hidrelétrica e 44,9%, termoelétrica.