Título: Negroponte procura um executivo para chefiar a OLPC
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Empresas, p. B3

Nas duas últimas décadas, o pioneiro multimídia e professor universitário Nicholas Negroponte ficou famoso por produzir idéias grandiosas. Uma das principais foi seu objetivo de fornecer computadores de baixo custo a 150 milhões de crianças pobres de todas as partes do mundo, até o fim deste ano, por meio da organização "Um Laptop por Criança" (OLPC, na sigla em inglês). Mas com o grupo bem longe de alcançar esta meta, Negroponte está buscando ajuda para pilotar a OLPC.

Em uma entrevista à "BusinessWeek", ele revelou publicamente pela primeira vez, que está procurando um presidente executivo para a organização, continuando ele com o cargo de presidente do conselho de administração. Ele diz que a OLPC vem operando "quase como um grupo terrorista, fazendo coisas quase impossíveis" há três anos. Agora, ela precisa ser administrado "mais como a Microsoft".

A busca por um presidente executivo acontece em meio a um recuo da organização que Negroponte criou há três anos. A OLPC vai transferir uma parcela maior do desenvolvimento e suporte do seu laptop XO, e seu principal software, para companhias de tecnologia que incluem a Red Hat, principal distribuidora do sistema operacional de fonte aberta Linux, e a Microsoft, que está dando os toques finais em uma versão do Windows para a máquina XO. A OLPC vai se concentrar no desenvolvimento de protótipos e outros conceitos novos. "No fim das contas, não deveremos ficar nos negócios de hardware e software. Deveremos ficar no negócio de aprendizado", afirma Negroponte, de 64 anos.

A organização, sediada em Cambridge, Massachusetts, começou a produzir em novembro seus laptops XO na China, por intermédio de um sócio na produção. Eles vão custar inicialmente US$ 188, em vez dos US$ 100 que Negroponte originalmente vislumbrava. Projetos pilotos foram conduzidos em uma dúzia de países e, este mês a OLPC começa sua primeira distribuição em grande escala de computadores, incluindo 240 mil no Peru e 110 mil no Uruguai. No entanto, países como Líbia, Nigéria e Tailândia, que antes haviam concordado em empregar amplamente as máquinas, estão agora reduzindo seus esforços. A OLPC é apoiada por gigantes tecnológicos como a Advanced Micro Devices (AMD) e o Google.

A transição revelada por Negroponte já começou. Nas últimas semanas, a OLPC reorganizou-se em quatro unidades operacionais, incluindo tecnologia, distribuição, desenvolvimento de mercado e captação de recursos, e administração. No começo de janeiro, Mary Lou Jepson, co-fundadora e diretora de tecnologia da OLPC, deixou a organização para começar sua própria empresa, a Pixel Qi, com o objetivo de produzir tecnologias para telas de baixo custo para laptops. "Meu trabalho foi simplesmente realizado", diz ela. "Eu era responsável pelo hardware e o coloquei na produção em massa." Ela também diz que trabalhar em um projeto como a OLPC tem seu preço. " A OLPC é como a Peace Corps. Você entra nela por uns dois anos e tem um trabalho duro, mas que é compensador."

Conduzir a organização se tornou particularmente difícil para Negroponte em janeiro, com a rancorosa separação entre a OLPC e uma de suas sócias, a gigante dos chips Intel. Depois de se tornar por um breve período membro da OLPC Association, a Intel subitamente se retirou, alegando que estava sendo pressionada pela OLPC a parar de vender seu próprio computador voltado para estudantes de países pobres, o Classmate PC.

A OLPC acusou a Intel de denegrir seu laptop XO junto a líderes de alguns países. A Intel desmente. Negroponte diz que depois da briga a OLPC perdeu seu "status de Madre Teresa de Calcutá" e começou a ser criticada por não ter conseguido cumprir as metas originais de seu fundador.

O Classmate PC da Intel, vendido a US$ 230, e laptops baratos de outras companhias vêm ganhando seguidores em alguns dos países em desenvolvimento que a OLPC mirava originalmente. A Intel tem pilotos rodando em 30 países e um grande grupo de pessoas trabalhando com esses países para integrar os computadores às salas de aulas destes. "Não vamos fazer esforços heróicos para fazê-los funcionar em pontos muito isolados. Estamos tentando fazer algo que seja sustentável e relevante", afirma Tony Salvador, diretor de planejamento estratégico do grupo da Intel voltado para os mercados emergentes.

Um dos líderes na arena dos PCs de baixos custos é a NComputing de Redwood City, na Califórnia. Ela vende terminais de computador e softwares que permitem o uso de um único computador por até dez alunos, ao custo de cerca de US$ 110 por aluno. Ela já vendeu 600 mil dessas máquinas, principalmente para o setor da educação. Seu presidente executivo, Stephen Dukker, critica Negroponte duramente: "Ele torna trivial as dificuldades de se instalar e dar suporte aos computadores, de modo que ele está deturpando o verdadeiro custo do equipamento".

A OLPC reconhece que há despesas além do custo de seus computadores. Mas afirma que há ajuda disponível gratuita para as escolas e estudantes, dos voluntários que operam na fonte aberta, e também da Brightstar, uma companhia que distribui os computadores.

A OLPC surgiu com um punhado de novas idéias para acelerar a adoção de seu laptop. Depois do sucesso de seu programa "Give One, Get One" (Dê Um, Receba Um), no quarto trimestre de 2007, em que indivíduos compravam dois XOs e doavam um para uma criança pobre, a organização agora está juntando países e cidades do mundo desenvolvido para comprar laptops e doarem um número igual para países e cidades do mundo em desenvolvimento. Também está iniciando um esforço para ajudar a integrar o XO a programas educacionais dos países.

A busca por um presidente executivo começou no ano passado, mas a intensidade aumentou nas últimas semanas. "Não sou um presidente executivo", afirma Negroponte. "A administração e os detalhes são meus pontos fracos. Sou muito melhor na visão das coisas." A dificuldade em encontrar a pessoa certa é que a maior parte dos candidatos está vindo da indústria dos PCs, mas Negroponte está procurando alguém com um perfil de liderança parecido como o de Kofi Annan, o ex-secretário-geral da ONU, que "vê o mundo como uma missão, e não um mercado". A procura está sendo conduzida pela Spencer Stuart, uma firma especializada em "caçar" talentos, e Negroponte espera ter o processo concluído em abril ou maio. Ele está de licença de seu cargo no MIT Media Lab e não recebe salário da OLPC.

Embora Negroponte venha sendo alvo de críticas duras, a maioria dos observadores dá a ele o crédito por ter acordado o mundo para uma potencial solução às deficiências educacionais dos países pobres. Muhammad Yunus, co-fundador do Grameen Bank, instituição pioneira no microcrédito, acredita que gradualmente mais países irão comprar os computadores XO - ou computadores baratos fabricados por outras companhias. Yunus diz: "Nicholas deu início a uma situação completamente nova e portanto o mundo deveria ser grato a ele".