Título: Depois dos PCs, Microsoft tenta sorte na TV
Autor: BusinessWeek
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2005, Empresas &, p. B5

A história vai lembrar a Microsoft como um dos maiores sucessos empresariais de todos os tempos. Mas a companhia também vem tendo sua parcela de fracassos. Não há nenhum negócio em que a Microsoft gastou tanto dinheiro por tanto tempo, e obteve tão pouco, quanto sua incursão na tecnologia de televisão. Até agora. Após mais de uma década tentando desvendar o negócio de software de TV, a persistência da Microsoft está começando a valer a pena. O primeiro sinal surgiu em novembro, quando a Comcast, líder da TV a cabo nos Estados Unidos, lançou para seus clientes de Seattle um decodificador que roda o software de TV da Microsoft Desde então, a Microsoft fechou acordos com duas grandes companhias telefônicas regionais - BellSouth e SBC Communications -, que estão entrando na competição com as operadoras de TV a cabo. E a "BusinessWeek" apurou que a Verizon Communications, a companhia de telecomunicações que está fazendo a incursão mais agressiva na área de TV, pretende usar a tecnologia da Microsoft em seu serviço televisivo, cujo lançamento será no segundo trimestre. "Temos uma visão compartilhada de como o mundo está evoluindo", diz Shawn Strickland, diretor do novo serviço da Verizon, o FiOS TV. A explosão de progresso da Microsoft acontece no momento em que o negócio da televisão se encontra à beira de uma grande mudança. Companhias de telecomunicações endinheiradas estão começando a entrar no mercado, desafiando as empresas de TV a cabo que estão oferecendo serviços telefônicos através de suas redes. A batalha resultante tem os dois lados correndo para lançar novos serviços de TV, que incluem vastos arquivos de filmes que podem ser exibidos sob encomenda e gravação pessoal de vídeo. A tecnologia chave para a entrega desses serviços é algo chamado Internet Protocol Television, ou IPTV. A tecnologia pode ser usada para oferecer uma variedade estonteante de opções: o seriado "Desperate Housewifes" na hora que você quiser, o Super Bowl, final do campeonato de futebol americano, com uma dezena de ângulos de câmeras diferentes, e um número de canais quase ilimitado. As companhias de telecomunicações estão abraçando a IPTV, uma vez que estão construindo seus sistemas de TV do zero. As companhias de TV a cabo, que usam uma tecnologia mais antiga, provavelmente começarão a migrar para a IPTV nos próximos cinco anos. O analista Hervé Uteza, da Diffusion Group, estima que 15,3 milhões de lares estarão assinando os serviços de IPTV ao redor do mundo até 2008, comparado aos 184 milhões que usam a tecnologia tradicional de TV a cabo. Se jogar as cartas certas na mesa, a Microsoft poderá acabar bem no meio desse negócio emergente. Seu software de IPTV está passando por testes e presente apenas nos laboratórios das companhias, mas especialistas afirmam que ele é o líder inicial desse mercado que está nascendo. "A plataforma da Microsoft é a mais promissora", diz o analista Josh Bernoff, da Forrester Reseach. "Haverá muitos programas da Microsoft nos decodificadores daqui cinco anos." Inicialmente, a recompensa poderá não ser grande. A Microsoft consegue de US$ 2 a US$ 5 por decodificador que usa seu programa, que gerencia o guia eletrônico de programação, a gravação de vídeo digital e outros aspectos da experiência do telespectador. No momento, o item mais valioso é o software que comanda os servidores que fazem de tudo, de servir a programação à proteção anti-pirataria para conteúdo de vídeo. O analista Rick Sherlund, do Goldman Sachs, estima que as receitas totais da Microsoft com TV serão inferiores a US$ 1 bilhão nos próximos anos. Mesmo assim, o potencial de crescimento é enorme. Com 1,7 bilhão de televisores em funcionamento no mundo - mais que o dobro do número de PCs -, a iniciativa da Microsoft poderá acabar desembocando em um meganegócio. A importância estratégica da proposta poderá ser maior que seu potencial de receita. O presidente do conselho de administração, Bill Gates, está apostando que a Microsoft vai firmar contratos de TV suficientes para que ela tenha nas salas das residências um papel tão importante quanto tem nos escritórios. Gates vislumbra a hora em que os decodificadores entrarão numa rede de produtos digitais - com o PC no centro, é claro - que rodam vídeo, música e fotos pela casa toda. Ele se recusa a prever receitas específicas, mas diz que em algum momento a Microsoft vai recuperar os quase US$ 500 milhões investidos no software de TV na última década. "Certamente ele vai pagar todos esses anos iniciais", diz Gates. Mesmo assim, o sucesso da Microsoft está longe de garantido. Construir tecnologia para a próxima geração da TV é algo melindroso. Não há certeza de que os produtos da Microsoft vão superar os de seus concorrentes - que incluem as fabricantes de equipamentos Siemens e Alcatel e companhias menores como a Kasenna. Além disso, alguns clientes em potencial têm reservas em fazer negócios com a companhia que domina completamente a indústria de PCs. Eles evitam completamente a Microsoft ou tentam não "fechar" completamente com a companhia, misturando tecnologia da companhia com as de outras empresas. "Há um certo nível de cautela das companhias quando elas trabalham com a Microsoft. Ela não estará na posição de monopólio como tem estado no negócio de PCs", diz Strickland, da Verizon. Tecnologia de segunda, arrogância e timing ruim arruinaram esforços anteriores da Microsoft. Em 1994, com grande barulho, a Microsoft anunciou seu primeiro projeto de TV avançada, o Tiger, que armazenava vídeo em servidores de computador e os exibia mediante pedido dos usuários. Na época, o custo da tecnologia tornou o sistema proibitivo. A Microsoft continuou insistindo com aquisições e novos produtos, mas não conseguiu "arrancar" no negócio. Um motivo: ela tentou colocar sua própria marca na frente dos telespectadores, alienando as operadoras de TV a cabo. Para voltar à disputa, a companhia teve que repensar sua estratégia - e reconhecer seus erros no processo. Desde que assumiu o comando os negócios da área de TV, dois anos atrás, o vice-presidente Moshe Lichtman vem reduzindo os esforços da Microsoft na promoção de sua própria marca. "Eles entendem que é um serviço da SBC, e não da Microsoft", diz Lea Ann Champion, vice-presidente de processamento de informações de operações e serviços da SBC, que deu à Microsoft seu maior contrato de software de IPTV, concordando em pagar à companhia US$ 400 milhões pelo fornecimento do software de TV pelos próximos dez anos. Os assinantes não verão a marca Microsoft nos serviços oferecidos pela SBC. O mais surpreendente é que a Microsoft não insiste mais que os decodificadores rodem uma versão encolhida do Windows, conhecida como Windows CE. Ao invés disso, enquanto o primeiro produto IPTV da Microsoft roda no Windows, as versões novas serão desenhadas para rodar em sistemas operacionais da Motorola e de outros concorrentes. Embora o alcance da oportunidade da Microsoft ainda esteja em questão, há poucas dúvidas de que a IPTV vai mudar a maneira como os fanáticos por televisão vão receber suas programações. Os sistemas de cabo em utilização hoje foram desenhados para que todos os canais que eles oferecem cheguem ao decodificador ao mesmo tempo - prontos para que o telespectador selecione um. Mas com todas essas programações congestionando os cabos até as residências, as operadoras podem oferecer apenas um número limitado de canais. A IPTV passa longe desse desenho. Apenas um programa chega ao decodificador de cada vez. Quando o telespectador muda para um novo canal, o decodificar notifica um servidor nas instalações da operadora de IPTV, que instantaneamente envia a nova programação. Esse design dá aos telespectadores um número infinito de escolhas. Mais à frente, os provedores de IPTV esperam também permitir aos clientes perambular pela internet, em busca de transmissões de vídeo interessantes - sejam elas clips, filmes de sucesso ou filmes domésticos de um blogger. Gates está confiante que os consumidores vão querer a IPTV. "As pessoas dão importância à experiência de assistir televisão. Se você pode de fato melhorá-la, isso tem um impacto bastante profundo", diz ele. Se a Microsoft for bem-sucedida, poderá transformar seu arrastado esforço de uma década na tecnologia de TV em uma arrancada. Esse programa vai ficar interessante.