Título: Mercado resiste à crise
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2008, Especial, p. F1

O mercado de captações externas para o Brasil tem apresentado resiliência às turbulências. Desde meados de 2007, uma crise de crédito de gigantescas proporções e ainda não resolvida tomou conta do mundo das finanças internacionais. Seu estopim foi o aumento da inadimplência nas hipotecas americanas. Apesar disso, os empréstimos externos sindicalizados - com a participação de vários bancos- continuam a acontecer para empresas e bancos brasileiros. É verdade que os prêmios de risco cobrados e as exigências dos credores nos contratos cresceram. Vários lançamentos de títulos acabaram dando para trás, com os emissores brasileiros capitalizados muitas vezes não aceitando pagar os prêmios pedidos pelos investidores. Eurobônus foram emitidos, no entanto, aproveitando janelas de oportunidade cada vez menores e demandas específicas.

No cenário agora mais adverso, alguns bancos destacaram-se na tarefa de ajudar empresas e governo brasileiros a encontrar formas de financiamento em dólar. Dentre eles, o que mais se sobressaiu foi o ABN Amro. A equipe de executivos brasileiros não ficou paralisada pelo processo de aquisição pelo qual passou o banco holandês durante todo o ano de 2007, que resultou na compra da instituição pelo consórcio formado pelo britânico Royal Bank of Scotland, pelo espanhol Santander e pelo belga-holandês Fortis. Pelo contrário. O banco ganhou o primeiro lugar, pelo segundo ano consecutivo, no "Ranking Valor de Captações Externas", que considera os líderes em empréstimos sindicalizados (com a participação de vários bancos) internacionais e títulos de dívida externa.

A dianteira foi tão grande que o ABN Amro teve a maior diferença em relação ao segundo colocado de toda a história do ranking, que foi feito pela primeira vez com os dados de 2001. A diferença foi recorde em termos absolutos - o ABN liderou volume US$ 5,77 milhões maior - e em termos relativos - esteve à frente de operações em volume 64% superior à do segundo colocado, o UBS Pactual. No total, o ABN Amro liderou US$ 14,797 bilhões em operações de dívida externa para o Brasil durante 2007.

Com essa forte atuação, o ABN foi também o primeiro colocado em diversos sub-rankings: 1) o ranking global que exclui as operações da República; 2) o ranking de bônus corporativo financeiro e não-financeiro, que exclui operações da República; 3) o ranking de bônus corporativo financeiro, que exclui República e bônus de empresas não-financeiras, 4) o ranking que só considera empréstimos e exclui bônus e; 5) o ranking global por número de operações, cuja primeira posição foi dividida com o Citigroup.

Não é à toa que os executivos do ABN - o presidente, Fábio Barbosa, e o vice-presidente José Berenguer - estão sendo deslocados para o Santander e vão comandar o banco resultante da fusão. No ano passado, o Santander ainda sem ABN ficou na quinta posição no "Ranking Valor de Captações Externas", à frente de operações no total de US$ 6,515 bilhões.

O UBS Pactual manteve a segunda posição conquistada inicialmente no ranking de 2006 pelo UBS - o Pactual não liderou operação no mercado externo no ano retrasado. A instituição financeira de capital suíço foi também a líder, pelo segundo ano consecutivo, no importante sub-ranking que considera apenas os bônus emitidos e excluiu empréstimos sindicalizados. No total, o UBS Pactual esteve à frente de US$ 9,024 bilhões em operações realizadas no exterior durante o ano passado.

O suíço Credit Suisse veio logo atrás: galgou uma posição no ranking geral de 2006 para 2007 e ficou como terceiro colocado, ao liderar US$ 7,835 bilhões. O JPMorgan também subiu, passando de sétimo para quarto colocado no ranking, com um total de US$ 6,676 bilhões realizados, mais do que os US$ 4,193 bilhões de 2006. O banco americano, que havia conseguido a primeira colocação no ranking de operações em outras moedas - euros, ienes e reais - em 2006, manteve a mesma posição durante 2007.

Como já aconteceu em 2006, foi a liderança em grandes empréstimos para as multinacionais brasileiras comprarem outras companhias no exterior que empurrou os bancos para cima no "Ranking Valor de Captações Externas". A rolagem, durante 2007, do gigantesco empréstimo de US$ 18 bilhões tomado para a Vale comprar a Inco em 2006 conferiu destaque ao ABN Amro, UBS Pactual, Credit Suisse e Santander. Os quatro bancos foram os líderes do pré-pagamento que totalizou US$ 6 bilhões tomado em janeiro pela Vale. Também por causa dessa operação, a Vale foi, pela segunda vez consecutiva, a primeira no ranking de tomadores/emissores de dívida externa. No total, a Vale tomou US$ 6,65 bilhões em crédito externo durante o ano passado.

A Gerdau foi a segunda colocada, com um total de US$ 4,9 bilhões captados no exterior, também para financiar uma aquisição, da americana Chaparral. A empresa foi pega pela crise de hipotecas bem no meio da compra, logo após tomar US$ 4,6 bilhões por meio de um empréstimo-ponte no mercado americano. A americana Gerdau Ameristeel teve de rolar a dívida com garantias da matriz brasileira, mas conseguiu atrair forte demanda dos bancos para participação no empréstimo de US$ 2,7 bilhões liderado pelo ABN Amro, JPMorgan e pelo inglês HSBC. Entre os bancos, o Bradesco foi o que mais fez captações no exterior em 2007, no total de US$ 750 milhões. E a Petrobras foi a primeira colocada entre os emissores de bônus, com US$ 1,699 bilhão, passando a Vale, a campeã de 2006.

Em 2008, a Vale poderá ter novamente papel de destaque, se o empréstimo-ponte de US$ 50 bilhões para a compra da mineradora anglo-suíça Xstrata for realmente tomado. Os líderes BNP Paribas, Calyon, Citigroup, Credit Suisse, HSBC, Lehman Brothers, Royal Bank of Scotland e Santander também estarão na frente no ranking se a operação sair.

Em 2007, o banco líder que mais galgou posições no "Ranking Valor de Captações Externas" foi o discreto Standard Chartered, de capital inglês, que passou da 29ª posição em 2006 para a 14ª em 2007, subindo 15 degraus. O Citigroup manteve forte participação no mercado e foi o banco que, junto com o ABN Amro, liderou o maior número de operações de captações externas para o Brasil em 2007: esteve à frente de 17 bônus e empréstimos. O banco americano ficou em primeiro lugar também no sub-ranking de bônus corporativo para empresas não-financeiras, que exclui os papéis da República e de empresas do setor financeiro. O Itaú continua a se consolidar como o líder entre os bancos de investimento e de atacado nacionais. Passou do 18º para o 15º lugar no "Ranking Valor de Captações Externas" geral, ao realizar US$ 1,199 bilhão em operações para empresas e bancos brasileiros.