Título: Governo já estuda contingenciar despesas de 2008
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Brasil, p. A4

O governo planeja baixar, dentro de duas a quatro semanas, um decreto limitando a execução, pelos ministérios, das despesas autorizadas no Orçamento aprovado anteontem pelo Congresso. "Dificilmente não haverá contingenciamento", admitiu a titular da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), Célia Corrêa. Segundo ela, a idéia é que o decreto seja editado no mesmo dia da sanção da lei pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A sanção está dependendo do encaminhamento oficial, pelo Congresso, dos arquivos eletrônicos contendo a programação orçamentária, o que é esperado para os próximos dias. Célia disse que o montante do corte não está definido e depende de uma reavaliação da estimativa de receitas. Mas, segundo ela, "o contingenciamento será o menor possível".

A expectativa de consultores do Poder Legislativo é que sejam bloqueados, com o decreto, no mínimo R$ 8,5 bilhões. Mas a preocupação do governo em assegurar caixa para honrar o pagamento de créditos extraordinários abertos por medidas provisórias em 2007 e início de 2008 pode acrescentar mais R$ 10,2 bilhões, elevando o corte para mais de R$ 18 bilhões. Segundo fontes governamentais, só os restos a pagar das MPs de crédito de 2007 - despesa empenhada, mas pendente de pagamento - chegam a R$ 8,4 bilhões. Os créditos extraordinários abertos em 2008, por sua vez, somam R$ 1,8 bilhão, segundo a mesma fonte.

Os empenhos resultantes de medidas provisórias não são os únicos pendentes de pagamento. Há também os restos a pagar de créditos normais da lei orçamentária de 2007. Mas esses não preocupam, pois são parte do fluxo normal de restos a pagar, a serem cobertos com o dinheiro dos empenhos de 2008 que ficarem para 2009. O governo, em tese, não precisa dar tratamento diferenciado aos restos a pagar de 2007 referentes a medidas provisórias. Mas pensa em considerá-los no cálculo do contingenciamento para assegurar-lhes prioridade sobre a execução de despesas do Orçamento de 2008.

Ainda que isso não se confirme, algum contingenciamento haverá, porque algumas despesas estariam subestimadas no Orçamento aprovado. Pela primeira vez em muitos anos, os consultores legislativos não esperam corte também em função da receita, que normalmente é estimada pelo governo em valor abaixo do previsto pelo Congresso, no início de cada ano. Por causa do desempenho da arrecadação do primeiro bimestre, acima do esperado, dessa vez o Ministério da Fazenda pensa em adotar, no decreto de contingenciamento, estimativa próxima da adotada pelo Congresso, apesar da queda da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), pelo menos em relação a tributos administrados pela Secretaria da Receita do Brasil. No Orçamento aprovado, essa parcela é estimada em R$ 444 bilhões. Somadas outras fontes, o Congresso prevê arrecadação bruta de R$ 687,6 bilhões em receitas primárias (não-financeiras), só no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social (exclui empresas estatais)

Do lado das despesas, um dos problemas são os gastos vinculados ao salário mínimo, que subiu para R$ 415 este mês. O Congresso levou em conta um piso salarial de R$ 412,40. Só o impacto dessa diferença exige um ajuste em torno de R$ 700 milhões. No âmbito da seguridade, haveria necessidade de mais de R$ 2,5 bilhões em ajustes. As despesas com pessoal, estimadas em R$ 137,61 bilhões, também devem subir, por causa do aumento que o governo quer dar aos militares e cujo impacto superaria o já embutido no projeto. Os consultores legislativos acreditam que o governo tenderá ainda a recompor o nível de superávit primário no âmbito do governo, de 1,6% para 1,7% do PIB, o que exigirá ajuste superior a R$ 2,8 bilhões. Esse esforço tinha sido transferido às estatais.

Ontem, a SOF lançou a publicação "Séries Históricas de Dados e Indicadores Fiscais", a ser atualizada mensalmente. A publicação consolida informações que hoje estão dispersas ou dependem de pesquisa no Sistema de Administração Financeira (Siafi) do governo federal. (MI)