Título: Nível dos reservatórios do Sul despenca, mas ONS afasta riscos
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Brasil, p. A5

A equação do setor elétrico para driblar as chuvas abaixo do normal e garantir o abastecimento de energia ganhou mais uma complicação. O nível dos reservatórios da região Sul despencou nas últimas semanas, diminuindo de 73% de sua capacidade máxima no início de janeiro para menos de 45% na quarta-feira. Esse volume é 14 pontos percentuais inferior àquele registrado no mesmo período de 2006, quando um problema mais grave no Sul foi evitado apenas graças a transferências recordes de energia do subsistema Sudeste.

Apesar disso, os reservatórios da região ainda estão 25 pontos acima do nível mínimo de segurança, a chamada "curva de aversão ao risco", e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) descarta a hipótese de racionamento localizado. Nos últimos dias, o ONS tem determinado a transferência de mais de 2.000 megawatts (MW) do Sudeste para o Sul, onde as chuvas têm alcançado em março apenas 65% da média histórica. Em fevereiro, quando as tempestades traziam alívio às represas do Sudeste, choveu 63% da média no Sul.

O diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, reconheceu ao Valor que a administração do sistema interligado tem sido "dificílima" por causa de uma combinação de fatores: os reservatórios do Sudeste estão se recuperando bem e saíram do sufoco vivido em janeiro, mas precisam encher mais para enfrentar o período seco (a partir de maio) e o Nordeste ainda tem só 52% de armazenamento nas represas de suas hidrelétricas - há um ano, estava em 87%.

"Não vamos usar todas as fichas no Sul agora", disse Chipp, explicando a estratégia adotada pelo operador. Em circunstâncias normais, o Sul estaria agora no meio de seu período seco, que termina em maio. Mas as previsões não deram muito certo nos anos anteriores, especialmente em 2006, quando houve uma estiagem rigorosa no inverno. No Sul, a capacidade de armazenamento nas represas de hidrelétricas é bem menor do que em outras regiões. São 18,4 mil MW médios por mês de capacidade máxima - no Nordeste, são 2,5 vezes a mais; no Sudeste/Centro-Oeste, a grande caixa d'água do país, dez vezes mais que no Sul.

A região tem somente dois grandes reservatórios, Salto Santiago e Foz do Areia, ambas no Paraná. Na cabeceira de Foz do Areia, afirmou o diretor-geral do ONS, choveu mais de 20 milímetros nos últimos dois dias, um bom índice para esta época. Ele explicou que, por enquanto, o operador continuará transferindo entre 2.000 MW a 3.000 MW do Sudeste ao Sul. "Vamos guardar energia no Sudeste, em que não haverá vertimento este ano", afirmou Chipp.

Na linguagem do setor elétrico, isso significa que o ONS ainda não vai repetir as transferências de 5.400 MW que fez em 2006, uma vez que os reservatórios do Sudeste ficaram abaixo do nível de segurança em fevereiro e estão em fase de recuperação, mas bem abaixo dos níveis do ano passado. A intenção é aumentar o volume de água estocado nas últimas semanas de chuvas, para atravessar com mais tranqüilidade o período seco (maio a outubro) e afastar o risco de 2009 ter a mesma dor-de-cabeça vivida no início deste ano.

Desta vez, o ONS precisa se equilibrar na corda bamba: evitar a queda acelerada das represas no Sudeste, mas mantendo transferências ao Nordeste e ao Sul. "Não vamos ter problemas no Sul, mesmo que à custa do deprecionamento dos reservatórios do Sudeste e do acionamento das térmicas por mais tempo", afirmou Chipp, referindo-se a usinas mais caras, movidas a óleo e carvão, além de gás. "Qualquer custo de operação que se tenha com a geração adicional de energia térmica para 2009, é menor do que o custo de eventual desabastecimento", frisou.

Hoje, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico se reúne em Brasília para avaliar como tem se comportado o sistema com as chuvas recentes. Chipp acredita que algumas térmicas mais caras, no Sudeste, "talvez" possam ser desligadas no fim de março. Elas foram ativadas em janeiro - geralmente isso ocorre só durante o inverno - para prevenir a queda dos reservatórios. "No Nordeste, ainda não (serão desativadas)."

O comitê deverá avançar na criação de um nível-meta dos reservatórios de hidrelétricas. Trata-se de um novo índice de referência para o volume de águas a ser estocado. Após o racionamento de 2001, foi criada a "curva de aversão ao risco", com números válidos por um biênio, abaixo da qual todas as fontes de energia devem ser acionadas para evitar problemas de abastecimento ao fim do período. Com o nível-meta, será fixado um índice dos reservatórios.

Na hipótese de usar como referência o segundo pior ano da média histórica em volume de chuvas, as represas do Sudeste deverão chegar a novembro, início do próximo período "molhado", com 53% de armazenamento. Em novembro passado, os reservatórios estavam em 46% e houve sustos com o atraso das chuvas.