Título: Empresas podem ir à Justiça contra danos em ações do MST
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Brasil, p. A9

O movimento social pela reforma agrária mudou sua estratégia. As fazendas improdutivas (a maioria já desapropriadas) deixaram de ser o alvo principal de grupos como a Via Campesina e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Agora, o principal alvo são empresas privadas. As primeiras mobilizações ocorreram em 2006, com cinco ocupações. No ano passado foram 23 e, neste ano, já são 17. Diante dessa estratégia, empresas deixam de contar apenas com as ações movidas pelo Ministério Público e buscam uma proteção jurídica mais efetiva, para evitar futuras perdas.

No dia 8, a Vale foi alvo de duas ações da Via Campesina, que ocupou os trilhos da ferrovia da empresa em Resplendor (MG) e uma carvoaria, em Açailândia (MA). Após os protestos, a Vale anunciou que pretende processar os dirigentes do MST, responsabilizando-os direta ou indiretamente pelos ataques. Advogados ouvidos pelo Valor acreditam que a iniciativa deverá ter mais cunho político do que resultados. "Para a Vale a indenização não é representativa, mas é possível que um pedido de ressarcimento desencoraje as lideranças dos movimentos a novas ações desse tipo", diz um advogado próximo à empresa.

Antonio Lawand, do escritório Braga & Marafon, lembra que o caminho do Judiciário não costuma ser usado pelas empresas porque é demorado e desgastante. "Mas essa é uma prática que pode mudar com a maior freqüência de ocupações e danos." Mas há obstáculos jurídicos. Movimentos como o MST e Via Campesina não têm personalidade jurídica e por isso não podem ser réus em ações judiciais. A saída é buscar o ressarcimento contra os líderes do movimento.

O promotor do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Barra do Ribeiro (RS), Daniel Indrusiak, dá testemunho de como a ida à Justiça pode ser tortuosa. Ele acompanha duas ações penais contra 37 líderes do MST e da Via Campesina em razão da ocupação feita em março de 2006 em uma fazenda da Aracruz no município. Entre os crimes relacionados pelo Ministério Público estão dano e formação de quadrilha.

Dois anos depois, a Justiça ainda não analisou o assunto. Originalmente havia apenas um processo. Com a dificuldade de citar alguns líderes, entre os quais João Pedro Stedile, do MST, a ação foi desmembrada em dois processos. "Um deles está mais adiantado, com vários acusados já ouvidos." No segundo, diz o promotor, foram reunidos os que a Justiça tem tido dificuldade de citar.

Para Lawand, a mudança no tipo de atuação dos movimentos pode motivar nas empresas uma iniciativa no Judiciário que vá além da mera proteção da propriedade e de seus funcionários. A fabricante de papel Stora Enso, por exemplo, tem a seu favor uma decisão judicial que declara protegida uma de suas propriedades, a Fazenda Tarumã, localizada em Rosário do Sul (RS). Isso torna mais rápido, explica sua assessoria de imprensa, a emissão de uma decisão judicial que garanta a reintegração de posse da propriedade. No último dia 4, a fazenda foi ocupada por cerca de 900 mulheres da Via Campesina e não houve necessidade de solicitar a reintegração de posse. As manifestantes deixaram a propriedade após destruir, segundo a empresa, cerca de 4 hectares de eucaliptos. Até o início da semana a papeleira não sabia se pediria indenização na Justiça.

A maioria das ações contra empresas desde 2006 foi pacífica, mas ocorreram casos sérios de destruição de plantações ou depredação do patrimônio - em 7 dos 45 casos de ocupação. "Foram atos para demarcar uma posição política, seja contra o plantio de transgênicos, seja contra a privatização", afirma Antonio Julio de Menezes Neto, sociólogo e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O sociólogo observa que a mudança de estratégia dos movimentos rurais é mais antiga. Nos anos 90, foram realizadas mais ações em áreas urbanas e sobre temas que ultrapassavam a questão agrária - entre eles a privatização da Vale e a pulverização de ações da Petrobras. Para Menezes, o MST acredita que a reforma agrária só será possível dentro de outro modelo sócio-econômico. Daí a inserção em discussões políticas mais amplas. "Não que a questão da reforma agrária tenha sido deixada de lado. Mas há um interesse em mudar a estrutura do país para que a reforma seja possível", diz.

Marina dos Santos, membro da coordenação nacional do MST e da coordenação da Via Campesina Brasil, corrobora a tese de Menezes. "Quando a gente faz esse tipo de ação, não estamos conversando com o governo. Não se trata da reforma agrária. Estamos falando de soberania nacional."

No processo de mudança de foco, no entanto, um questionamento antecede a avaliação sobre o formato das manifestações: por que dirigir as ações contra empresas. Para Menezes, o "MST busca uma crítica ao governo, mas sem romper com ele, por isso direciona a ação às empresas privadas. Eles ainda estão vinculados ao Lula. E o governo é um pouco conivente, porque precisa que a esquerda cresça no Congresso e precisa se preservar da influência de grandes empresas no parlamento."

De acordo com Marina dos Santos, as ações têm por objetivo alertar a sociedade sobre a concentração de poder econômico nas mãos de grupos transnacionais e, por esse motivo, a decisão de protestar em unidades de empresas como Monsanto, Stora Enso e Suzano.

Plínio Arruda Sampaio, presidente da Ação Brasileira da Reforma Agrária (Abra), é simpatizante dos movimentos, mas reconhece que a depredação de propriedades dificulta à Via Campesina ganhar simpatias. "Criou-se um círculo vicioso da barbárie. Se não quebrar nada, a mídia não divulga, as pessoas não reagem. Chegamos em um ponto onde, às vezes, a violência se torna o único meio de se fazer ouvir", diz.