Título: Congresso lento aprova Orçamento da União tardio
Autor: Congresso lento aprova Orçamento da União tardio
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Opinião, p. A18

A aprovação do Orçamento Geral da União (OGU) anteontem, depois de o ano de 2008 já ter rodado mais de três meses, mesmo sob intensa batalha política, teve um enorme saldo positivo. Não apenas porque foi aprovado e evitou a "enxurrada de medidas provisórias" de crédito suplementar, mas porque o entendimento entre governo e oposição foi pautado em interesses "republicanos", que conseguiram inclusive sanear o projeto do famoso Anexo de Metas e Prioridades da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2008 - aquele que, resultado de acordo entre poucos integrantes da Comissão Mista de Orçamento, conseguiu a bagatela de R$ 534 milhões para eles próprios e amigos em emendas do Orçamento. Não há dúvidas de que viabilizar, com esses recursos, as obras do Rodoanel de São Paulo, ou obras importantes para os Estados, têm maior interesse público do que um anexo incluído sob pressão de membros da comissão. E não há dúvida também que, quanto mais se protela uma votação, mais espaço é aberto para pressões por negociações individuais, de legitimidade duvidosa.

A aprovação, todavia, não foi a superação de uma barreira que existe no Congresso à negociação entre governo e oposições, que tem trazido considerável prejuízo a questões de interesse público. A rigor, o entendimento só foi possível porque foi feito de dentro para fora - foi fruto da pressão dos governadores do PSDB, que tinham muito a perder, sobre as bancadas do partido no Congresso. A pressão externa, todavia, não pode ser sempre o motor da atividade parlamentar. É preciso encontrar um canal que torne menos dolorosa a aprovação de uma lei.

O nó continua sendo o instituto da medida provisória, usada à farta pelo governo federal sob o pretexto de que ele não pode ficar à mercê do ritmo do Congresso, que tem sistematicamente adiado a decisão de assuntos constitucionalmente inadiáveis - como a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento, por exemplo. O Executivo tem razão. Governo tem que governar. O Legislativo, de outro lado, tem argumentado que o fluxo de votações está permanentemente comprometido com as medidas provisórias - cuja votação torna-se prioritária depois do 54º dia de tramitação - e isso tem prejudicado a atividade parlamentar. Deputados e senadores têm razão. Eles têm que legislar.

Existe, de fato, um problema operacional, embora as dificuldades políticas não sejam desprezíveis nesta questão. O fato é que o trancamento de pauta pelas MPs foi aceita pelo Legislativo, numa negociação com o governo FHC, como uma solução de compromisso para aprovação de uma emenda que teoricamente limitava a edição de MPs. A experiência tem mostrado, contudo, que esse instrumento é um moto-contínuo: como as MPs trancam a pauta, o Congresso não consegue analisá-las num prazo confortável ao governo, nem levar adiante os projetos de sua própria iniciativa; como não conta com a agilidade do Legislativo, o governo se sente confortável para entupi-lo de MPs sob o argumento da urgência de governar.

Em algum momento esse círculo vicioso tem que ser rompido, a bem da separação entre os Poderes. Hoje, já não existe dúvidas de que o trancamento de pauta tem mantido o Legislativo à mercê das MPs. E parece existir razoável consenso entre lideranças governistas e oposicionistas de que o Executivo tem abusado desse instituto, embora a Constituição defina que as MPs tenham que seguir o estrito critério da relevância e da urgência da matéria.

Esses são, no entanto, apenas os aspectos técnicos de uma imobilidade que tem custado ao Congresso franco desgaste junto à opinião pública. Se não existisse nenhum entrave operacional, ainda assim o pesado clima político que se arrasta desde o segundo ano do governo Lula seria, em si, paralisante. O Executivo tem uma maioria volátil, que une extremos ideológicos e precisa permanentemente de negociações individuais e intermináveis. A oposição, por sua vez, pouco admite a negociação, e tornou a atividade parlamentar tornou-se uma extensão da luta eleitoral, sem razão de ser por si mesma. As MPs constituem um sério problema de ordem técnica à atividade parlamentar. Mas os problemas de ordem política são igualmente importantes.