Título: Indústria de laptops segue em busca do computador perfeito
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Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Empresas, p. B2

Passava um pouco da hora do almoço em 15 de janeiro, e Peter Hortensius estava em intensa atividade nas baias do escritório da Lenovo em Morrisville, Carolina do Norte, enquanto gritava para sua secretária. Hortensius, vice-presidente sênior encarregado da divisão de laptops da companhia, acabara de tomar conhecimento de que o executivo-chefe da Apple, Steve Jobs, havia anunciado o MacBook Air, apresentando-o como "o notebook mais fino do mundo", tirando-o de forma teatral de dentro de um envelope de correspondência interna. Hortensius estava alarmado com o fato de que o notebook ThinkPad X300 da Lenovo - lançado em fevereiro, após um ano e meio em desenvolvimento - poderia ser passado para trás antes mesmo do lançamento.

Sua secretária, Phyllis Arrington-McGee, vasculhou as gavetas de arquivos até encontrar um dos envelopes. Ela o entregou para Hortensius, onde cuidadosamente ele colocou o X300. "Cabe! Cabe!", gritou ele.

Talvez ninguém tenha ficado mais aliviado que David Hill, o principal designer da Lenovo, que correu para a sala de Hortensius logo depois da experiência com o envelope. Havia sido sua a idéia de criar um X300 super-fino, que originalmente havia recebido o nome-código de Kodachi. Hill se divertiu com o teste, que voltou a ser feito por Hortensius, e depois não resistiu em dar uma alfinetada na mais nova criação de Jobs. "Estou um pouco cansado dos computadores prateados", disse.

Assim é a vida em um dos mercados mais competitivos do mundo: o dos computadores portáteis. Os melhores engenheiros e projetistas das mais poderosas companhias de tecnologia competem furiosamente entre si com planos ultra-secretos e prazos de entrega enlouquecedores. Da Hewlett-Packard (HP) e Dell, à Acer, Lenovo e Toshiba, as equipes de design e produção estão sempre correndo para conseguir participação num mercado que cresce rapidamente. Brigam por gramas e milímetros, mas as vitórias são medidas em bilhões de dólares.

Para David Hill, Steve Jobs e outros dessa irmandade, as questões são: Qual é a combinação perfeita de peso, preço e características? E quais novas tecnologias devem ser incluídas? É um sinal da competição intensa o fato de o festejado Jobs ter recebido críticas que decididamente não foram unânimes para o Air da Apple, apesar do visual cativante.

Na Lenovo, Hill e seus colegas vêm tendo muito trabalho com o X300, parte de sua linha de computadores ThinkPad. A companhia chinesa comprou a deficitária unidade de PCs da IBM em 2005, avaliada em US$ 10 bilhões, na esperança de usá-la para criar uma marca mundial de destaque. O ThinkPad da IBM há muito era o favorito de executivos e viajantes, mas foi perdendo seu toque de classe com o passar dos anos. Agora, o objetivo com o X300 é colocar no mercado uma máquina para dar brilho à reputação da Lenovo no mundo inteiro. "Queremos passar a mensagem de que se existe uma companhia no setor capaz de desenvolver continuamente e com eficiência os produtos mais inventivos e de melhor qualidade, essa companhia é a Lenovo", afirma Yang Yuanqing, presidente do conselho de administração da companhia.

O X300 não é perfeito. Talvez nenhum computador possa ser. Mas seu desenvolvimento nos últimos 20 meses mostra a jornada de uma equipe em busca da perfeição, ao mesmo tempo em que é forçada a fazer concessões difíceis. A Lenovo não espera que o X300, com preços entre US$ 2,7 mil e US$ 3 mil, seja um grande sucesso de vendas. Eles acreditam que ele será um produto de "mercado fechado", que levará a um reforço positivo da marca no mercado empresarial e a ThinkPads mais acessíveis. O X300 será preparado principalmente para os Jogos Olímpicos de Pequim, dos quais a Lenovo é um dos maiores patrocinadores.

A Lenovo precisa de um grande sucesso, talvez mais de um, para obter o reconhecimento como uma das principais marcas do setor de tecnologia. Ela está atrás de líderes como HP e Dell no mercado de notebooks e alguns concorrentes não botam fé nas perspectivas para a empresa. "Temos concorrentes maiores com os quais nos preocupar, exceto na China", disse Michael Dell, executivo-chefe da Dell.

O X300 chega no momento em que os computadores portáteis estão acontecendo, depois de décadas de domínio dos PCs. Pela primeira vez, mais laptops deverão ser vendidos nos Estados Unidos, neste ano, do que computadores de mesa, segundo analistas do setor. Ao mesmo tempo, a miniaturização dos produtos eletrônicos tem permitido inserir tanta coisa nos telefones celulares que eles se tornaram, essencialmente, pequenos computadores.

Essas tendências são o ápice de um esforço de 40 anos para cumprir o potencial da computação móvel. No fim da década de 1960, os cientistas já previam a existência dos computadores portáveis, muito embora ainda não fosse possível fabricar um PC de mesa. No começo da década de 1980, os pioneiros da informática produziram os "portáteis" do tamanho de uma mala, e mais para o fim da década produziram laptops delgados o suficiente para caber em uma maleta executiva. Os anos 1990 trouxeram os assistentes pessoais digitais, como o Palm Pilot. E nesta década surgiram os telefones inteligentes como o BlackBerry e o iPhone. A visão que Bill Gates, co-fundador da Microsoft, articulou há quase duas décadas, de ter a informação na ponta dos dedos, finalmente está se concretizando. "Os computadores portáteis vêm sendo um sucesso estrondoso", diz Gates.

Mas ainda é difícil projetar e construir um computador portátil esplêndido. Fazer as coisas pequenas aumenta os custos. Portanto, quando engenheiros e designers juntam-se para criar novas máquinas, eles têm de se esforçar para produzir algo que seja compacto, potente e acessível. Este é o desafio que a equipe do ThinkPad da Lenovo enfrentou para criar o X300.

O esforço começou com Hill, um executivo de 50 anos, natural de Oklahoma, e que reforma motocicletas nas horas vagas. Na Lenovo, onde é diretor de identidade empresarial e design, ele é conhecido como o guardião da tradição do ThinkPad.

O conceito de design original, criado pelo consultor Richard Sapper, era de que o ThinkPad seria uma máquina simples, elegante, de cor preto-fosco, com cantos precisos de 90 graus. Lançado em 1992, o ThinkPad acabou se tornando a mais duradoura franquia de design da história da computação. Em 2007, em seu 15º aniversário, mais de 30 milhões já haviam sido vendidos. Depois que a Lenovo comprou a unidade de PCs da IBM e o presidente do conselho Yuanqing mostrou que queria produtos com design e engenharia inovadores, Hill tomou como um desafio pessoal a criação de um ThinkPad mais fino, leve e elegante.

Ele começou em junho de 2006, com dois pensamentos radicais. Um deles era levar a idéia da simplicidade adiante. Assim como outros laptops, os ThinkPads possuem plugues e interruptores do lado e na parte de trás. E se eles fizessem uma máquina que não mostrasse nada do lado de fora a não ser uma logomarca no topo e um fecho na frente? Ele chegou até mesmo a brincar com a idéia de eliminar o fio de alimentação. A máquina poderia ser alimentada ao ser colocada sobre um suporte especial. Hill e seus colegas construíram um protótipo, com uma cobertura externa simples no fundo. Somente quando aberta é que os plugues ficavam expostos.

Outra idéia de Hill foi fazer um PC bem pequeno, com menos de dez polegadas de comprimento e menos de uma polegada de espessura. Mesmo assim ele queria que a máquina tivesse um teclado em tamanho "natural". Então, ele retomou um projeto de meados da década de 1990: um teclado que se dobrava quando o laptop era fechado e se desdobrava quando era aberto. O teclado "borboleta" foi uma sensação quando lançado, em 1995.

Este foi o começo do X300, a "fase conceitual" do projeto. Como a maioria dos ThinkPads, este começou nos EUA. Os planejadores, líderes do projeto e alguns dos designers estão na Carolina do Norte. O trabalhos mais detalhados de design e engenharia são feitos por uma equipe em Yamato, no Japão. A fabricação e compra de insumos são feitas em Shenzhen, na China.

Hill aprimorou seus conceitos de design através de discussões com Sapper e colegas projetistas do Japão e da China. Durante uma reunião na casa de Sapper, à beira do Lago Como, na Itália, o designer de 75 anos exortou Hill a fazer com que o teclado dobrável se posicionasse automaticamente, em vez de exigir que o usuário o desdobrasse e o colocasse no lugar. Hill passou essas idéias aos engenheiros de Yamato, para ter uma idéia do que funcionaria.

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O homem encarregado do desenvolvimento do produto em Yamato foi Arimasa Naitoh, conhecido no Japão como "o pai do ThinkPad". Sua equipe estabeleceu, no começo dos anos 1990, a reputação de qualidade do ThinkPad. Naitoh acredita que é preciso haver uma tensão criativa entre designers e engenheiros. "Nós encorajamos as pessoas criativas a desenharem algo que não seja real demais", diz ele. "Se elas se apegam à realidade extrema, nada terá muita graça, nada será novo."

Assim que os primeiros conceitos chegaram às mãos dos engenheiros de Yamato, eles começaram a testá-los. Quase todo dia Hill recebia esboços de Yamato mostrando como os componentes poderiam se encaixar. No fim de setembro, os engenheiros começaram a questionar algumas das idéias mais radicais. As telas de 13 polegadas estavam ficando populares porque são boas para assistir filmes, de modo que os engenheiros não queriam usar a versão de dez polegadas de Hill. Este acabou cedendo. Isso significou que não haveria necessidade do teclado dobrável. Eles também concluíram que o revestimento de metal, no qual ele queria esconder os plugues, aumentaria muito o peso do produto. Hill não protestou. "Você começa lançando redes grandes. Pega um monte de idéias. E finalmente se atém aos elementos promissores", diz ele.

Os gerentes de desenvolvimento de produto da Lenovo estavam se concentrando em um novo laptop de ponta que incluiria três tecnologias nascentes importantes. A primeira era a armazenagem em estado sólido, que não se quebra quando as pessoas derrubam seus laptops, como acontece com as unidades de disco mecânicas da maioria dos computadores. A segunda tecnologia era a dos displays de LED do computador, que tornaria as imagens mais nítidas. A terceira era uma unidade de DVD de apenas sete milímetros de espessura. Em outubro de 2006, os gerentes decidiram combinar essas tecnologias aos conceitos de design de Hill. A máquina recebeu o nome-código de Kodachi, em referência a uma pequena espada samurai.

O projeto foi aprovado para a "fase de planejamento" em janeiro de 2007. A equipe do Kodachi começou a trabalhar com afinco em todos os elementos mecânicos e de design. Eles iniciaram discussões com fornecedores sobre suas tecnologias mais novas. Hill começou a ter um contato quase diário com a equipe japonesa, via telefone e e-mail.

Ao mesmo tempo, os marqueteiros começaram a explorar o potencial de vendas do Kodachi. A estimativa original era de que a Lenovo conseguiria vender 130 mil unidades - e uma versão que se seguiria, com lançamento previsto para agosto - num período de 12 meses. Mas o departamento de vendas retornou com uma estimativa surpreendentemente baixa, de apenas 60 mil unidades.

Mesmo assim, Hortensius decidiu aprovar o projeto. O veterano, há 17 anos na IBM, tem um estilo difícil e prático, mas sempre apóia os designers e engenheiros em suas idéias mais loucas. Com o Kodachi, ele percebeu que o pessoal de vendas estava sendo conservador em relação a um produto de ponta, do tipo que nunca foi vendido anteriormente.

O Kodachi entrou na "fase de desenvolvimento" em abril de 2007 e dali em diante, os designers e engenheiros da Lenovo começaram a viver em estado de apreensão, temendo que algum concorrente pudesse superá-los e lançar no mercado um laptop tão fino e leve quanto o Kodachi. A faixa de preços dos laptops vai de US$ 500 a US$ 3 mil. Como o Kodachi estaria carregado de características inovadoras, seu preço estaria na ponta mais alta, até US$ 3 mil.

Nos meses seguintes, grande parte do trabalho seria feito em Yamato. Lá, uma equipe de desenvolvimento comandada por Hiroyuki M. Kinoshita tentaria cumprir as exigências. Ela também estava encarregada de formular uma tinta com cobertura de borracha para a parte exterior da máquina, que tivesse a aparência de couro. Kinoshita e seus colegas se viram diante de uma agenda apertada e prazos rígidos. Começo de setembro: protótipo mecânico. Setembro e outubro: teste do protótipo e dos componentes. Novembro: protótipo final. Começo de dezembro: testes de pré-produção. Em dezembro foi marcada uma reunião do conselho de revisão, formado por gerentes de qualidade, para decidir se o Kodachi estava pronto para testes. Esse seria o obstáculo final.

Ao longo do processo de desenvolvimento, a equipe de Kinoshita submeteu os protótipos a uma série de testes de resistência. O mais extremo foi o "teste de queda livre e deformação". O laptop, aberto e voltado para baixo, foi preso a um dispositivo que se parecia com uma guilhotina, cerca de cinco pés acima de um bloco de cimento. Um sinal foi emitido e o laptop atingiu o bloco com um estalido alto. Os engenheiros correram para ver os resultados: o Kodachi havia sobrevivido intacto.

Entretanto, em 1º de outubro, surgiu um problema que ameaçou tirar a equipe do prazo programado. Andy Kozak, que estava coordenando o desenvolvimento do Kodachi a partir de Morrisville, abriu uma caixa de papelão contendo um protótipo feito à mão em Yamato. Dentro havia um invólucro curvo de alumínio contendo peças eletrônicas do Kodachi com pouca semelhança com um notebook acabado. Quando Kozak tirou a máquina da caixa, percebeu que uma peça importante estava faltando: "Dei uma explorada com os dedos e percebi que ele não tinha uma unidade de disco de estado sólido. Disse: Meu Deus!" O problema, ele descobriu, era que essas unidades de memória que haviam sido encomendadas a dois fornecedores asiáticos e não haviam passado nos testes. Como resultado, foram excluídas das máquinas.

Normalmente, reveses como este são resolvidos em poucas semanas. Mas os fornecedores não conseguiram resolver os problemas antes do encontro de Kozak com o conselho de revisão da Lenovo. A sessão lembrou um julgamento. Kozak sentou-se à mesa de reuniões diante de cinco revisores japoneses com semblantes de "pedra" e fez sua exposição sobre os procedimentos para levar o Kodachi ao próximo estágio de desenvolvimento, apesar dos problemas. O veredito saiu no dia seguinte: "Ainda não está pronto."

Kozak ficou preocupado. De volta ao hotel, em Tóquio, mandou uma mensagem instantânea com as más notícias para Mark Cohen, diretor de operações do ThinkPad. Cohen, o poderoso braço-direito de Hortensius, decidiu seguir um caminho arriscado: os testes de fabricação prosseguiriam sem as unidades de estado sólido, apesar do veredito da comissão. As unidades seriam acrescentadas depois, após terem passado nos testes. O Kodachi seguiria em frente.

Em 10 de dezembro, em Shenzhen, um grupo de jovens começou a montar as primeiras 25 unidades de teste do Kodachi. Não havia pressa. Trabalhando sobre banners que os exortava a "Eliminar o Tempo Ocioso" e "Atender às Exigências dos Clientes", o trabalho desses jovens era detectar problemas e desenvolver instruções para as equipes das linhas de montagem, que começariam a lidar com a produção em grande escala em 25 de janeiro.

Certo dia, no começo de janeiro, Kozak estava em sua mesa em Morrisville, quando Cohen entrou e disse que Hortensius queria ver um dos novos modelos do Kodachi que estavam saindo da linha de produção na China. Kozak procurou até encontrar uma das amostras preciosas, que haviam sido entregues aos funcionários de Morrisville encarregados dos testes. A máquina era tudo o que ele esperava: extremamente fina e leve, com uma elegante superfície preta fosca. Era também o primeiro ThinkPad da Lenovo com a logomarca no topo. O logotipo da IBM havia sido removida poucos meses antes. Ele levou a máquina para a sala de reuniões de Hortensius e a colocou diante de seus chefes.

Era a primeira vez que Hortensius e Cohen viam o protótipo definitivo. Hortensius levantou a máquina. Um pouco antes, ele havia dito aos engenheiros em Yamato que queria uma máquina mais leve, e eles conseguiram isso. O Kodachi tinha um peso originalmente especificado de 3,4 libras. Acabou ficando com 3,1 libras. A versão sem a unidade de DVD pesava apenas 2,9 libras. "Isso diz às pessoas que podemos fazer melhor", afirmou Hortensius.

O susto com o Apple Air ocorreu poucos dias depois. O pessoal da Lenovo tinha tomado conhecimento de rumores de que a Apple estava trabalhando em um notebook ultrafino, mas não tinha certeza do era especulação e do que era verdade. Naquele momento, o Kodachi estava na "fase de lançamento", numa marcha inexorável rumo à sua conclusão. O principal fornecedor da unidade de estado sólido não havia conseguido resolver seus problemas a tempo, de modo que a Lenovo mudou na última hora para um fornecedor reserva. Em 25 de janeiro a produção teve início em Shenzhen.

Certa noite, em janeiro, Hill colocou um X300 em uma mochila no escritório, e foi para casa. Ele vinha falando há meses sobre o projeto para sua esposa, Jena, e agora queria que ela visse o produto. Jena estava na cozinha quando ele chegou. "Quero te mostrar o Kodachi", disse ele. Tirou a máquina da mochila e a passou para a esposa. "Uau, é leve", disse ela. Jena perguntou quanto iria custar. Quando Hill contou, ela respondeu: "Minha nossa! Parece um pouco caro". Então, pediu para segurá-lo mais uma vez.

Hill tem lembranças intensas sobre o produto. Os designers e engenheiros conseguiram grande parte do que ele havia sonhado em junho de 2006. Seu único desapontamento é que a parte de baixo da máquina ainda carrega mais rótulos do que ele gostaria. Mas isso proporciona a ele desafios para a nova geração de ThinkPads, que virá a publico no ano que vem. "É uma busca contínua pela perfeição", diz. Para Hill e sua equipe, tem que ser. Rivais de todas as partes do mundo estão correndo para alcançar o mesmo objetivo. (Tradução de Mário Zamarian)