Título: BCs compram US$ 400 bilhões
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Finanças, p. C1

O mercado financeiro se assustou ontem com a ata do Comitê de Política Monetária, pois ela deixou claro que a alta nos juros básicos Selic já foi considerada na última reunião do Copom, no dia 5 de março. Os juros explodiram no mercado futuro. Mas, o Banco Central brasileiro, ao avaliar se vai iniciar um movimento de aperto monetário no país, não tem como não levar em consideração as maciças injeções de liquidez que o Fed, banco central americano, tem feito, e seus impactos no mundo todo.

Nesta semana, o Fed trocou ativos hoje não-negociáveis nas mãos dos bancos e fundos por títulos públicos americanos, os papéis mais procurados do mundo em momentos de aversão ao risco como o atual. Na semana passada, o Fed havia trocado outros US$ 200 bilhões dos ativos sem liquidez por dinheiro.

Essa liquidez extra tem sido investida principalmente em commodities - daí a forte puxada nos preços do ouro, petróleo etc. -, mas também nos países emergentes, principalmente em suas moedas, diz Roberto Padovani, estrategista de investimentos sênior para América Latina do Banco WestLB do Brasil. O destaque são os países com juros mais altos e contas externas equilibradas. Para enfrentar essa enxurrada de liquidez, os bancos centrais de todo o mundo neste começo de ano estão empenhados em uma ação "sem precedentes em escala e escopo" nos mercados de câmbio, segundo Brad Setser, do Council on Foreign Relations no site de economia RGE Monitor.

Setser calcula que serão comprados no primeiro trimestre US$ 400 bilhões, que vão engrossar as reservas internacionais de diversos países, para evitar apreciação muito forte nas mais diversas moedas contra o dólar. Em janeiro, o destaque foi a China, que teve um aumento de nada menos que US$ 62 bilhões em suas reservas em um mês, segundo a Reuters. Considerando-se todos os BCs, as compras podem ter chegado a US$ 150 bilhões somente em janeiro, calcula Setser.

É verdade que no Brasil o Banco Central pôde até reduzir o ritmo de compras no mercado à vista no início deste ano, para US$ 228 milhões por dia, na comparação com os US$ 480 milhões do primeiro semestre do ano passado, segundo os cálculos de Padovani. Já no segundo semestre de 2007, por causa da redução nos fluxos da conta de capitais decorrente da maior aversão ao risco com a crise de hipotecas nos Estados Unidos, as compras diárias do BC haviam sido menores, de US$ 237 milhões. Um aumento de US$ 13 bilhões nas reservas nos dois primeiros meses do ano não é desprezível, no entanto. Desde janeiro de 2007, as reservas brasileiras mais do que dobraram: passaram de US$ 90 bilhões para US$ 194 bilhões.

"A própria expectativa de apreciação cambial atrai um fluxo especulativo e provoca mais alta na moeda", diz Alexandre Lintz, estrategista do BNP Paribas. "E não são mudanças de impostos ou restrições pontuais que vão conseguir reverter essa tendência", diz ele. Roberto Padovani concorda. Ele acredita que o dólar vai para R$ 1,60 no final de ano e diz que o governo federal buscou com seu pacote cambial, na melhor das hipóteses, agir sobre as expectativas do mercado e agentes e evitar movimentos bruscos de apreciação cambial.

"Ao tornar o investidor menos convicto de que a apreciação é contínua, o governo alivia a especulação", diz Padovani. Ele avalia que não é à toa que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ameaçou com outras medidas e novos aumentos de impostos. Segundo ele, o fim do IOF sobre as exportações e também o fim da obrigatoriedade de entrar com as receitas de vendas externas no país - a chamada cobertura cambial das exportações - podem até valorizar ainda mais o real, pois melhoram a percepção que o investidor externo tem do país.

A alta de 1% na cotação do dólar, para R$ 1,6920, ontem, é pontual e não vai se sustentar nem mesmo no curto prazo, concorda Alexandre Ferreira, vice-tesoureiro do WestLB. Mesmo com a alta, o dólar acumula desvalorização de 5% em relação ao real em 2008. "Afinal, o diferencial de juros ainda é atrativo", diz.

É justamente esse diferencial que tende a crescer mesmo se a taxa Selic continuar em 11,25% ao ano, pois a tendência é de o Fed continuar a cortar as taxas básicas americanas, hoje em 3% ao ano, já na sua próxima reunião do dia 18, injetando ainda mais liquidez. "O Fed está com uma reação forte por causa do perigo de uma crise bancária, o que seria absolutamente grave", diz Padovani. No seu entender, é fundamental para o Fed usar todas as armas para ganhar a guerra no curto prazo. "Eles estão preocupados com as condições de solvência no sistema bancário e precisam conter a crise de crédito que se auto-alimenta", afirma Padovani.

Se o BC brasileiro subir os juros, vai ampliar ainda mais o diferencial com os juros americanos, com impacto no custo de carregamento das reservas, calculado em R$ 51 bilhões no ano passado, segundo publicou o Valor. Com juros internos mais altos, o investidor externo tende a ampliar posições compradas em reais, aumentando a necessidade de o BC comprar mais reservas e tornando ainda mais difícil evitar uma valorização da moeda.