Título: AL teme retração das commodities
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Fonte: Valor Econômico, 18/03/2008, Finanças, p. C1

Com o agravamento da crise externa, um forte tombo dos preços das commodities é o maior risco enfrentado pelos países da América Latina, advertem analistas. Para o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Anoop Singh, uma queda abrupta das cotações de commodities teria impactos negativos nas contas externas e fiscais dos países da região. "Em desacelerações globais anteriores, os preços desses produtos caíram 35% a 40%", ressaltou ele, lembrando que as exportações de commodities respondem por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e 40% das receitas de exportação da América Latina. "Esse é o maior risco para a região", disse Singh, que participou ontem, em São Paulo, da conferência "Euro: implicações globais e relevância para a América Latina".

Um outro número dá a medida da importância das commodities para os países da região. Segundo Osvaldo Kacef, diretor da Comissão Econômica Para a América Latina e Caribe (Cepal), tirando o México, 72,9% das exportações latino-americanas são de produtos primários. Se os preços de commodities se mantiverem nos elevadíssimos níveis atuais, a região não vai enfrentar grandes problemas. A questão é que, para alguns analistas como o economista-chefe para a Europa do Deutsche Bank, Thomas Mayer, claramente há uma bolha especulativa nos mercados de commodities. Há uma queda forte dos preços de ativos em outros mercados, que tem levado os investidores a buscar outras opções, como os contratos desses produtos.

Para Singh, dada a importância das commodities para os países da região, um eventual recuo das cotações como registrado em desacelerações globais anteriores causaria estragos não apenas nas contas externas, mas também nas contas fiscais da América Latina. "Não é o momento para complacência", afirmou ele. Cautela na condução da política fiscal, com contenção do ritmo de crescimento dos gastos públicos, seria bem-vinda.

O secretário-geral-adjunto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Pier Carlo Padoan, disse que a América Latina não ficará imune à crise. A fraqueza econômica dos países industrializados acabará por afetar a região, ainda que com alguma defasagem.

A grande vantagem da América Latina e do Brasil, ressaltada por todos os analistas, é que de fato os países da região parecem bem mais preparados para enfrentar as turbulências externas. Kacef destacou que os países têm hoje reservas muito mais elevadas, dívidas públicas menores e com uma composição mais positiva e superávits primários razoáveis.

O diretor-executivo do FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., também aponta a situação externa ainda confortável como um dos principais trunfos do país neste momento de crise, mas disse que a situação externa tem se agravado bastante, o que aumenta o risco de que o país sofra com a turbulência no cenário internacional. Para ele, os maiores riscos são uma queda abrupta no mercado de commodities ou mesmo o contágio financeiro. Se aumentar a aversão global ao risco, os fluxos de capitais para o Brasil podem diminuir. "É por isso que é importante manter uma posição forte no balanço de pagamentos", afirmou. Num cenário de câmbio valorizado e crescimento robusto da atividade econômica, a balança comercial tem mostrado deterioração acentuada, o que deve levar o país a registrar em 2008 o primeiro déficit em conta corrente depois de cinco anos.

Também participante do evento, o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Mário Mesquita, disse que, embora reconheça a possibilidade de "cenários alternativos adversos" para a economia e o sistema financeiro globais, "o BC reafirma a sua visão de que a melhora da posição financeira externa do país, sob um regime de câmbio flutuante, nos permite enfrentar esse período de significativa turbulência nos mercados internacionais com serenidade".