Título: Injetar liquidez é única alternativa
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2008, Finanças, p. C4

O Federal Reserve (Fed, banco central americano) "não tem escolha" a não ser adotar uma política monetária agressivamente expansiva e de injeção direta de liquidez nos mercados financeiros internacionais. Os riscos de o Tesouro americano ter de vir a arcar com os custos fiscais do ajuste à medida que o Fed aceita ativos ilíquidos em troca de títulos públicos altamente líquidos ou de dinheiro existem. Mas, as perdas fiscais seriam de dimensões ainda maiores se a grave crise de liquidez mundial não for controlada. Essa é a opinião de Pier Carlo Padoan, vice-secretário da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em entrevista ao Valor logo após palestra, durante seminário em São Paulo.

Diante do agravamento da crise de credibilidade na qualidade de crédito nos integrantes do sistema financeira americano, o corte de 1 ponto percentual nos juros básicos americanos na reunião do Fed de hoje foi considerado o mais provável pelos analistas presentes ao evento "O euro: implicações globais e sua relevância para a América Latina", no Hotel Renaissence.

Segundo Padoan, o que torna o trabalho dos bancos centrais mais difícil é justamente a volta dos temores de uma inflação mais elevada neste momento "não oportuno". Segundo ele, de acordo com algumas, mas não todas, medidas as expectativas de inflação estão elevadas neste momento. Daí, no seu entender, as diferentes atitudes das autoridades monetárias no que diz respeito à política monetária de longo prazo, embora todos concordem com a necessidade de prover liquidez imediata aos mercados.

Ele se referia ao Banco Central Europeu (BCE), que não cortou os juros básicos da União Européia desde que a crise de liquidez se agravou, em junho do ano passado, enquanto o Federal Reserve adotou uma política agressiva de cortes. Para Padoan, a dúvida é em que medida essas diferenças podem se sustentar por mais tempo.

As perdas, que podem chegar a US$ 460 bilhões somente no sistema financeiro americano - considerando-se não apenas as hipotecas de alto risco, mas todo o segmento de crédito sob contágio - estão colocando os bancos sob uma grande pressão para obter mais capital, diz o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional, Anoop Singh.

O risco é de esse processo levar a uma ampla chamada de margens de garantia, com nova queda nos preços dos ativos que levaria, como uma bola de neve, a uma nova chamada de margem, impactando os demais mercados de crédito, inclusive o corporativo e comercial, de forma mais forte. Nesse caso, as perdes globais poderiam chegar a duas vezes os US$ 460 bilhões, avalia Singh.

Segundo Singh, os canais de transmissão da política monetária do Fed se enfraqueceram neste momento, e a liquidez não tem se espalhado como deveria.

De acordo com ele, o efeito de um esvaziamento em bolhas imobiliárias sobre a economia americana é duas vezes maior do que uma queda no preço das ações e as previsões mais "otimistas" apontam para uma redução de 15% em dois anos nos preços das casas. O crescimento menor nos EUA pode levar a uma redução no crescimento global para níveis de 2% a 3% ao ano, o que não se viu na história do pós-guerra e poderia significar o equivalente e uma "recessão global".

"O Fed está fazendo o possível dentro das circunstâncias atuais e tentando trazer liquidez aos mercados para evitar a quebra de bancos, cujas ações estão caindo muito", disse ao Valor Ilan Goldfajn, sócio fundador da Ciao Investimentos, ex-diretor do Banco Central e diretor do instituto Casa das Garças. Ele aposta em cortes de mais 0,75 a 1 ponto percentual nos juros americanos hoje. Ele disse estranhar, no entanto, a política monetária "tão assimétrica" adotada pelo Fed e pelo BCE, que tem levado a uma apreciação do euro e queda no valor do dólar. "A falta de confiança no sistema financeiro americano é grave e a divergência do Fed com o BCE só põe mais pressão sobre o dólar", disse o representante do Brasil na direção-executiva do Fundo Monetário Internacional, Paulo Nogueira Batista Júnior.

Para o economista-chefe do Deutsche Bank para a Europa, Thomas Mayer, o BCE vai acabar cortando os juros básicos da zona do euro. "A Europa está tão vulnerável quanto os Estados Unidos na crise de crédito atual e também no mercado imobiliário", acredita ele. As pressões inflacionárias do momento também não podem ser superestimadas, avalia ele, pois grande parte delas são decorrentes de uma "bolha especulativa" nos preços dos commodities. Os investidores que recebem a liquidez do Fed vão comprar commodities em busca de investimentos mais rentáveis, visto que o mercado de crédito não é mais uma opção, diz.