Título: Governo americano avalia novas medidas contra crise
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Fonte: Valor Econômico, 18/03/2008, Finanças, p. C5

Enquanto investidores digeriam nervosos as dramáticas medidas do governo americano para organizar um resgate do Bear Stearns Cos. e oferecer crédito emergencial a firmas de Wall Street, o possível contorno de uma resposta mais abrangente à crise financeira dos Estados Unidos começou a tomar forma.

É provável que o resultado disso seja a mão mais pesada do governo, na forma de resgate de empresas, estímulo fiscal e regulamentação.

Ontem, a Média Industrial Dow Jones arrancou uma alta de 21,16 pontos, ou 0,2%, para fechar a 11.979,25 pontos, mas teria ficado em território negativo sem o ganho de 10,3% na ação do JP Morgan Chase & Co., que se beneficiou da crença disseminada em Wall Street de que comprou o Bear Stearns a preço de banana.

No rastro da transação, contudo, os temores a respeito do efeito que os problemas nos mercados de crédito possam ter sobre a economia americana continuam a se espalhar.

Hoje, o Federal Reserve, o banco central americano, deve voltar a cortar sua principal taxa de juros, a dos fundos federais, cobrada em empréstimos interbancários de curtíssimo prazo, entre meio ponto porcentual e um ponto. O Fed, que já cortou 2,25 pontos percentuais desde setembro, tem esperança de que o crédito mais barato estimule a atividade empresarial e ajude instituições financeiras em dificuldade.

Além disso, o governo de George W. Bush está avaliando medidas adicionais para consertar o combalido setor de crédito imobiliário, no qual a crise irrompeu, em meados do ano passado. O duplo impacto de um estouro na bolha imobiliária com o aperto no crédito está prejudicando o crescimento econômico e pode já ter empurrado os EUA para uma recessão. O ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers diz que há "um risco muito real" de este se tornar "o declínio econômico mais grave em uma geração".

O objetivo das mudanças que as autoridades estão avaliando é deixar o mercado menos vulnerável a crises. O risco: sufocar inovação nas finanças e em outros setores.

Uma das medidas que a Casa Branca tem considerado ativamente envolve a redução das limitações para a Fannie Mae e a Freddie Mac, empresas que têm um grande papel no financiamento de hipotecas, a fim de que elas tenham participação ainda maior no crédito imobiliário. As duas empresas têm operado sob fortes exigências de capital nos últimos anos por terem sido pegas em escândalos contábeis. Pelo plano, essas exigências seriam reduzidas e essas empresas teriam mais dinheiro para comprar créditos imobiliários de bancos desesperados por liquidez.

Outra mudança de regulamentação proposta por Bush envolveria a Administração Imobiliária Federal (FHA, na sigla em inglês). Essa entidade, que faz seguro de hipotecas, está desenvolvendo um plano para permitir que mais mutuários com problemas financeiros possam requerer empréstimos garantidos pelo governo.

Foi espantosa a velocidade e virulência com que os problemas financeiros se desenrolaram. Eles começaram com a tentativa de se alcançar um antigo objetivo: encontrar meios de permitir que americanos de baixa renda comprassem a casa própria. Mas os instrumentos que as empresas hipotecárias elaboraram incluíam cláusulas -juros fixos durante cinco anos e depois, reajustáveis; dispensa do pagamento da entrada - cujos riscos os compradores não entenderam direito. Quando essas hipotecas "subprime" foram agrupadas em pacotes de créditos e vendidas a uma cadeia de instituições financeiras interconectadas, os riscos envolvidos escaparam a investidores considerados bem mais sofisticados que os compradores da primeira casa própria.

Essencialmente, os riscos estavam escondidos - "uma falta de transparência", como dizem no mundo financeiro. A ironia é que os Estados Unidos e o FMI têm desde os anos 80, pelo menos, dado lições aos países em desenvolvimento exatamente sobre esse risco. Se os riscos econômicos não são transparentes aos investidores, eles vão acabar estourando e podem arrastar toda uma economia. É o que aconteceu repetidas vezes na América Latina e, no fim dos anos 90, na Ásia e na Rússia.

Agora os EUA estão enfrentando problemas que por muito tempo atormentaram os países aos quais ditavam conselhos. Quem deve ser resgatado? Quem arca com o custo? Qual o papel do banco central? Como os mercados deveriam ser regulamentados para evitar uma repetição dos problemas?

Com o governo republicano e o Congresso democrata muitas vezes num impasse sobre quanto intervir para conter a crise, são os tecnocratas não eleitos que dirigem o Federal Reserve que tomaram a iniciativa. Numa série de medidas desde agosto, o Fed tem sido cada vez mais agressivo em sua disposição a assumir créditos arriscados em seu balanço patrimonial numa tentativa de descongelar os mercados de crédito.

A decisão do Fed de conceder financiamento temporário ao Bear Stearns, na sexta-feira, e agora assumir US$ 30 bilhões dos títulos menos líquidos deste cruzou uma barreira crítica ao de fato dar suporte a uma firma específica. Ao fazer isso, o Fed rompeu com décadas de política de evitar medidas que favorecessem uma empresa ou mercado em particular.

A meta das autoridades americanas é evitar a estagnação que tomou conta do Japão por dez anos, depois de os bancos japoneses acumularem vastas somas de crédito de recebimento duvidoso na bolha imobiliária do fim dos anos 80.

As autoridades financeiras passaram anos esperando que aqueles créditos podres desaparecessem sem intervenção do governo, mas o problema só começou a ser resolvido depois que o governo, por volta de 1998, passar a injetar somas enormes de recursos públicos nos bancos. Estes demoraram até quase 2005 para limpar a pior parte daqueles créditos e, pela primeira vez em cerca de dez anos, aumentar seus empréstimos.

O problema dos EUA não é nem de longe tão severo ainda, e até agora Bush e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, enfatizaram esforços voluntários do setor para renegociar créditos de recebimento duvidoso, junto com uma expansão limitada dos programas do governo de financiamento imobiliário. Embora Bush e Paulson digam estar abertos a outras idéias, eles também deixaram claro que não ouviram ainda nenhum plano que eles acham que funcionaria para resolver a onda de arrestos de imóveis que varre os EUA e a turbulência financeira que os problemas imobiliários provocaram.

"Uma coisa é certa - estamos em tempos desafiadores", disse Bush ontem, depois de se reunir com seus assessores econômicos. "Mas outra coisa é certa - que tomamos medidas fortes e firmes." (Colaboraram Michael M. Phillips e Sarah Lueck, em Washington, e Sebastian Moffett, em Tóquio)