Título: Escassez de ofertas
Autor: Vieira , Cather ; Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2008, EU & Investimentos, p. D1

A seca de ofertas públicas de ações e a instabilidade que impera no mercado ainda não foram suficientes para afastar os investidores individuais da bolsa em 2008. Ao final de fevereiro, por exemplo, a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) indicava 469.791 contas de investidores pessoa física, ante 466.830 em janeiro. Mas, se a crise não afastou o investidor do mercado acionário, pelo menos mudou o comportamento de muitos deles, principalmente aqueles que viviam de olho nos lançamentos de ações das novatas, os chamados IPOs (na sigla em inglês).

Sérgio Perruci Faria, advogado e empresário carioca de 37 anos, por exemplo, redobrou a atenção sobre a variação das ações. Para ele, é nos momentos de crise que se encontra boas oportunidades para recuperar parte das perdas do ano. "A volatilidade era esperada e existe para dar ao investidor boas chances para comprar ações a um preço menor", comenta o agressivo investidor que dedica 80% de seu patrimônio à bolsa.

Mas Perruci anda relativamente desolado com a ausência das ofertas públicas. "Eu estava ansioso para entrar na Visanet, principalmente", conta. Agora, com a supressão das ofertas, o advogado busca mais possibilidades de retorno em ações de segunda e terceira linhas, mas sem deixar uma boa fatia dos recursos em ações de empresas de histórico longo, mais tradicionais. "As ações antigas têm parâmetros de preço e, portanto, defendem melhor, mas são os papéis com menor liquidez aqueles com mais possibilidade de crescimento no curto e médio prazos." Entre as tradicionais, ele buscou Petrobras, Vale, Eletrobrás e bancos.

A procura de Perruci por novas alternativas tão agressivas quanto os IPOs é exemplo do forte apetite dos aplicadores por risco. Somente no ano passado, ocorreram 64 estréias, totalmente absorvidas pelo mercado e várias com seus preços no pico das estimativas. Mas, neste ano, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 17 companhias já apresentaram desistência oficial de ofertas, sendo que 12 seriam aberturas de capital (IPOs). Isso não impede, porém, que elas reiniciem os processos mais adiante.

Segundo representantes das corretoras, os aplicadores têm recorrido em maior peso a alternativas mais conservadoras, como as "blue chips" - Petrobras e Vale, por exemplo - e a outros papéis que, conforme projeções dos analistas, estão com preços atrativos em relação ao valor justo previsto.

"Temos notado um aumento grande da procura pelas palestras sobre economia e pelos cursos de análise fundamentalista e técnica", conta Silvia Werther, diretora da Ativa Corretora. Ela lembra que os investidores institucionais se mostraram muito mais reticentes com as turbulências este ano, mas os individuais continuam firmes no interesse. "Os números da movimentação via home broker mostram isso", completa. Em fevereiro, o sistema de negociação de ações via internet movimentou R$ 24,8 bilhões, um crescimento de 170,4% em relação ao mesmo mês de 2007. "O mercado ficou mais excitante e, nessa volatilidade, quem estiver acompanhando terá mais possibilidade de recuperar perdas e lucrar", diz Perruci.

De acordo com Silvia, os clientes da Ativa que costumavam aplicar mais em IPOs têm buscado mais os relatórios e os dados das companhias. "Eles observam os relatórios de análise para ver o preço alvo projetado e procurar aqueles ativos que estão mais baratos", afirma Silvia. Na avaliação da diretora, esse movimento é positivo, pois aplicadores aprofundam seus conhecimentos sobre companhias. "Já ouço perguntas sobre temas mais sofisticados, como fluxo de caixa descontado", diz.

Para o diretor da HSBC Investiments, Paulo Levy, o efeito da maior volatilidade dos últimos dois meses ainda não se refletiu num menor interesse dos aplicadores por ações. "Os individuais não demonstraram isso, mas acredito que poderemos ver algum reflexo nesse sentido até o meio do ano", diz. "Mas depois, quando a perspectiva começar a melhorar, seguramente devemos notar um grande interesse pelo mercado novamente", prevê Levy. No cenário atual, segundo ele, os investidores têm optado por ações mais tradicionais. "É nítido que, em meio a esse cenário mais indefinido, as compras têm sido mais direcionadas para 'blue chips'".

Na Unibanco Corretora, de acordo com o superintendente André Lissker, o movimento no home broker Investshop continua firme. "O que está um pouco diferente é o comportamento do investidor, já que antes havia um giro maior de carteira, o que não está acontecendo tanto agora", observa Lissker. "Com essa volatilidade, as pessoas estão comprando e mantendo mais os papéis, aguardando por um momento melhor porque, se você analisar bem, o Ibovespa voltou aos níveis de setembro", completa o diretor.

Especialistas comentam, porém, que o fato de os aplicadores permanecerem confiantes na bolsa não significa que a crise do mercado seja algo passageiro. Pelo contrário, investidores devem se precaver para não se surpreenderem com novos solavancos no curto e médio prazos pelo menos.

Para esses executivos, porém, investidores retomarão o giro de suas carteiras se o Índice Bovespa voltar a progredir. "A cultura do investimento em bolsa foi muito difundida nesses últimos anos e está bem sólida", avalia Levy, lembrando que, outro dia, no aeroporto, ouviu pessoas conversando sobre as ações em que investiam.

O novo titular da superintendência de registros de valores mobiliários da CVM, Felipe Claret da Motta, diz que, apesar das 17 ofertas com desistência formal, outras companhias optaram apenas pela interrupção temporária do processo para ver como se comporta o mercado. "Como elas podem fazer isso por um prazo de até 60 dias úteis, várias se valem desse expediente", explica Claret. O superintendente lembra, porém, que outras companhias apresentaram ofertas para serem analisadas - 12 novas operações surgiram na lista esse ano - e que três companhias já vieram a mercado em 2008. É o caso de Nutriplant, (que fez a oferta primária no Bovespa Mais, mercado mais restrito, só para aplicadores de grande porte), e GP Investments e Redecard (ambas que já estavam na bolsa). Perruci, e outros milhares de aplicadores estão à espera de uma retomada mais firme das ofertas públicas.