Título: Crise se aprofunda com a quebra do Bear Stearns
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Fonte: Valor Econômico, 18/03/2008, Opinião, p. A14

A quebra do quinto maior banco de investimentos americano, o Bear Stearns, mostra um preocupante aprofundamento da crise aberta pelo mercado de hipotecas de alto risco. O Bear Stearns foi pulverizado em poucos dias e vendido por US$ 240 milhões, apenas um quinto do valor de sua luxuosa sede na Madison Avenue (NY). Três dias antes valia US$ 3,5 bilhões e, em janeiro de 2007, US$ 20 bilhões. Os mercados deram ontem uma surra descomunal nas ações dos bancos, indicando claramente que o destino do Bear Stearns não deverá ser único. As medidas do Federal Reserve, tomadas em reunião de emergência em um fim de semana, a primeira em três décadas, mostram que ele não se deterá diante de nada para evitar que uma crise bancária se instale nos Estados Unidos.

A crise chegou ao primeiro time dos bancos de investimentos e por isso a injeção de dinheiro do Fed parece não ter mais fim. Em apenas um dia da semana passada, leilões e novas linhas de crédito para os bancos colocaram nos mercados europeu e norte-americano mais de US$ 200 bilhões. Não é pouco e não é tudo. Reunido no domingo, o BC americano criou janelas de empréstimos para outras instituições financeiras, que não bancos comerciais, atitude que só encontra precedentes na Grande Depressão nos anos 30, após o crash da Bolsa de Nova York.

Ainda assim, isso não parece ter sido suficiente de imediato. O Fed participou de uma operação que culminou por transferir o abatido Bear Stearns para as mãos do JP Morgan a preços de liquidação. O Fed estendeu ao JP Morgan US$ 30 bilhões de crédito que concedera em troca de títulos problemáticos do Bear, permitindo assim que o balanço do banco comprador não seja tingido de imediato com papéis de valores pouco mensuráveis e, hoje, seguramente baixos. O risco moral saiu do vocabulário do Fed, assim como qualquer preocupação relativa à inflação ou aos possíveis efeitos inflacionários do gigantesco choque de liquidez que está dando na economia americana. E está a um passo de aceitar prejuízos decorrentes desta e outras eventuais operações de salvamento. Ao se desamarrar da convencional prudência, o Fed de Ben Bernanke está sendo muito mais ousado. Isto pode não ser prova de que está na direção correta, e, sim, que a dimensão dos problemas bancários enfrentados hoje é muito maior.

A eficiência da colocação de enorme massa de recursos à disposição dos bancos será posta em xeque nos próximos dias. Os investidores têm uma série de instituições em sua lista de desconfianças, o que se revela nas profundas quedas observadas durante o dia de ontem na Bolsa de Nova York. O Lehman Brothers, tido como a bola da vez, viu suas ações caírem até 42%. Os papéis do UBS chegaram a declinar 14%, os da Merrill Lynch pouco mais de 10% e os do Morgan Stanley, até 12%. O movimento de assédio ao Lehman é muito parecido com a escalada contra o Bear Stearns, embora os analistas de mercado apontem que o colchão de liquidez imediata do Lehman seria muito maior.

Ao abrir torneiras quase ilimitadas de recursos e ao reduzir os custos dos empréstimos que faz de 3,5% a 3,25%, o Fed indicou que deverá fazer um novo corte forte dos juros em sua reunião de hoje. O 0,75 ponto percentual, que parecia o teto das expectativas, pode ser suplantado. Nada disso terá obviamente efeito imediato, e as estatísticas sobre o estado da economia ainda refletirão um movimento descendente das atividades econômicas, que não deve se inverter até o início do segundo semestre.

O mercado financeiro continuará, porém, com a primazia das péssimas notícias. Nesta semana começam a sair as primeiras informações sobre os balanços trimestrais dos bancos de investimento e analistas como os do Deutsche Bank prevêem que pelo menos US$ 9 bilhões serão colocados como perdas referente ao financiamento de compras alavancadas aos fundos de private equity. Além disso, os mercados estão sinalizando tempestades em várias frentes. O custo do swap para proteção contra falta de pagamento (default swaps) subiu muito, o mercado de securitização está travado, o custo das linhas de crédito para bancos cresceu e estas se tornaram mais escassas. Tudo isso mostra que o sistema financeiro está cambaleando antes mesmo de enfrentar uma recessão de verdade, o que pode ser sinal de uma crise séria e prolongada.