Título: Integrante do BC europeu aponta avanços em emergentes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2008, Brasil, p. A6

Integrante do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE), o italiano Lorenzo Bini-Smaghi diz que as economias emergentes mostram hoje maior resistência para enfrentar o cenário global marcado pela desaceleração da economia americana. "Houve uma mudança profunda na situação econômica das economias emergentes nos últimos anos, e o Brasil tem desempenhado papel importante nesse sentido", afirma Bini-Smaghi, ressaltando a adoção do câmbio flutuante por vários países, o desenvolvimento dos mercados financeiros, a redução da dívida externa e a acumulação de reservas.

O contexto de maior integração econômica global, porém, não abre espaço para complacência, adverte ele, que estará hoje e amanhã no Brasil.

Bini-Smaghi diz que é difícil estimar o impacto da desaceleração americana sobre a zona do euro, mas reconhece que as perspectivas de crescimento para a região se deterioraram. Na entrevista ao Valor, concedida por e-mail, ele ainda relativiza o impacto negativo do euro forte sobre a competitividade das exportações européias.

Valor: O euro tem se valorizado em relação ao dólar nos últimos meses. Até que ponto isso pode afetar a competitividade da zona do euro?

Lorenzo Bini-Smaghi: No que diz respeito às exportações da zona do euro, o que importa é a taxa de câmbio ponderada pelo comércio, e não em relação a uma moeda específica, como o dólar. Quando analisamos a taxa de câmbio do euro ponderada pelo comércio, nós verificamos que a apreciação tem sido significativamente menor. Além disso, as exportações são afetadas por outros fatores externos, como a evolução da demanda externa, que continua a registrar um crescimento forte. Em comparação com outros países industrializados importantes, o desempenho global das exportações da zona do euro tem sido satisfatório nos últimos anos, não obstante a apreciação do euro.

Valor: Os EUA enfrentam um desaquecimento grave - a maioria dos analistas acredita que o país já está em recessão. Como essa situação afeta as perspectivas de crescimento da zona do euro?

Bini-Smaghi: Nós assistimos a uma certa deterioração das perspectivas de crescimento da zona do euro. As nossas últimas previsões foram revistas para baixo, em consonância com outras. Não é fácil fazer uma avaliação em tempo real das repercussões que o desaquecimento nos Estados Unidos poderá ter na zona do euro, mas nós notamos que outras regiões importantes para a economia mundial, como os países com mercados emergentes, incluindo o Brasil, parecem estar resistindo relativamente bem. De qualquer forma, os riscos para o crescimento econômico na zona do euro estão, sem dúvida, do lado declinante.

Valor: As previsões para o crescimento da zona do euro estão longe de ser encorajadoras, mas o BCE mantém as taxas de juro inalteradas desde junho, devido a perspectivas de inflação preocupantes. Nesse cenário difícil, o BCE não deveria ser mais flexível, para evitar o risco de um desaquecimento grave?

Bini-Smaghi: A prioridade do BCE é manter a estabilidade de preços a médio prazo e evitar efeitos de segunda ordem, através dos quais um aumento temporário da inflação decorrente dos preços de energia e dos produtos alimentares se enraize nas expectativas das pessoas. Se as famílias e as empresas incorporarem a inflação mais elevada no seu comportamento, será registrado efetivamente um impacto mais duradouro no desaquecimento econômico.

Valor: A flexibilidade do Fed é elogiada, enquanto o BCE é geralmente criticado pela sua política monetária rígida. Como o sr. analisa essas visões sobre o Fed e o BCE?

Bini-Smaghi: Cada banco central é responsável pela sua própria jurisdição. As reações distintas do Fed e do BCE refletem diferenças em termos do ciclo econômico. A zona do euro não se encontra na mesma situação que os Estados Unidos e, portanto, atuar da mesma forma que o Fed seria um erro para a zona do euro.

Valor: A crise do subprime revelou os perigos das bolhas especulativas. Será que os bancos centrais não têm capacidade para lidar com esse tipo de situação?

Bini-Smaghi: É muito difícil para a política monetária detectar e reagir em tempo real a bolhas especulativas nos preços dos ativos. Os bancos centrais devem evitar não alimentar eles próprios bolhas especulativas, o que pode acontecer quando mantêm as taxas de juro excessivamente baixas durante um período excessivamente longo. Trata-se, sem dúvida, de um tema que requer maior reflexão.

Valor: Alguns analistas, como Nouriel Roubini, prevêem uma recessão grave nos EUA, que poderá conduzir a um desaquecimento mundial. Outros têm mais confiança na capacidade de resistência dos emergentes, principalmente da China e da Índia. O sr. concorda com alguma dessas visões? Por quê?

Bini-Smaghi: Estima-se que, em 2007, 85% a 90% do crescimento das economias emergentes da Ásia, excluindo a China, tenha sido impulsionado pela demanda interna, que, por sua vez, foi impelida pelo investimento e pelo consumo privado. Isso sugere que os efeitos diretos de um desaquecimento nos Estados Unidos seriam mais limitados. Mas é preciso esperar para ver. O que importa, porém, é que as perturbações nos mercados financeiros permaneçam contidas e não se prolonguem por um período muito longo.

Valor: O Brasil está de fato mais preparado para enfrentar a crise nos Estados Unidos, devido à maior robustez das suas contas externas?

Bini-Smaghi: Houve uma mudança profunda na situação econômica das economias emergentes nos últimos anos, e o Brasil tem desempenhado um papel importante nesse sentido. Algumas economias emergentes passaram a ter taxas de câmbio flexíveis, reforçaram os seus quadros de política econômica - principalmente através de bancos centrais independentes e empenhados na estabilidade de preços - e desenvolveram os mercados financeiros internos. Além disso, a dívida externa diminuiu e as reservas aumentaram consideravelmente. Este novo cenário criou, de uma forma geral, um contexto de maior capacidade de resistência. Paralelamente, porém, a integração econômica mundial implica ligações e repercussões mais fortes. Não há, por isso, razões para complacência.

Valor: Por que os juros reais brasileiros continuam tão altos, mesmo após a melhora nas contas externas e fiscais?

Bini-Smaghi: O Banco Central do Brasil está em muito melhor posição para avaliar a evolução dos juros no Brasil. Deve ter a independência necessária para aplicar a política monetária adequada com vista a alcançar a estabilidade de preços. Essa é a melhor forma de assegurar juros baixos ao longo do tempo. Por outro lado, não é surpreendente que os países com um forte crescimento tenham juros reais relativamente altos. A existência de juros baixos num contexto de crescimento rápido seria uma situação arriscada e acabaria por conduzir a distorções na alocação de recursos. (SL)