Título: Investimentos industriais vão ampliar oferta futura
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2008, Brasil, p. A4

Ernani Torres, do BNDES: Investimentos robustos, que levarão até quatro anos para maturarem e, nesse período, vão ajudar a manter a economia aquecida Entre 1996 e 1997, o setor industrial brasileiro passou por uma forte expansão, marcada pela abertura de fábricas e por investimentos na modernização das unidades existentes. O objetivo na época era, após a abertura comercial promovida pelo governo Collor, tornar as indústrias competitivas em relação aos seus concorrentes internacionais. Alguns setores lideraram a expansão, entre eles o automotivo, embalado pelo regime automotivo assinado pelos países do Mercosul em 1992. Entre 1994 e 1997, as montadoras investiram US$ 9,7 bilhões e triplicaram a capacidade industrial, para 3 milhões de veículos por ano. Nos anos seguintes, o crescimento foi interrompido pelas crises na Rússia e nos Tigres Asiáticos em 1998, a crise de energia no Brasil em 2001 e a super desvalorização do real em 2002, que ajudou a enfraquecer o mercado interno.

Uma década depois do ´boom´ industrial, um novo movimento de investimentos em construção de fábricas se consolida - dessa vez de forma generalizada. Para economistas, a mudança revela não apenas o interesse das empresas em atender à demanda doméstica atual, que cresce ininterruptamente desde 2004, mas também uma forte confiança no desempenho futuro do mercado interno.

De acordo com dados do BNDES, entre 2006 e 2007, a indústria de transformação recebeu empréstimos de R$ 51 bilhões para ampliar sua capacidade produtiva - volume 32% superior ao desembolso de R$ 38,5 bilhões do biênio anterior. Já as aprovações (financiamentos autorizados, mas que não necessariamente foram liberados no mesmo ano) alcançaram R$ 72 bilhões entre 2006 e 2007, contra R$ 40 bilhões nos 24 meses anteriores (80% mais).

Somente em 2007, o banco financiou a construção de 49 unidades industriais e a ampliação de outras 68 unidades existentes no país. "Todos os grandes projetos que surgiram, em siderurgia, petroquímica e mineração, envolvem valores muito grandes. São investimentos robustos, que levarão até quatro anos para maturarem e, nesse período, vão ajudar a manter a economia aquecida", afirma Ernani Torres, superintendente da área de planejamento e acompanhamento econômico do BNDES.

Veículos, máquinas e equipamentos, metalurgia e energia estão na mira do Banco Central. A forte demanda no mercado interno nos últimos dois anos elevou o nível de capacidade utilizada desses segmentos para perto do limite. Para economistas ouvidos pelo Valor, não há motivos para pânico. A perspectiva para este ano é ainda de demanda aquecida e de atividade industrial acelerada, mas os setores que puxam a atividade econômica também estão entre os que mais investem na expansão de unidades, pelos dados do BNDES.

Os desembolsos para o setor automotivo totalizaram R$ 8,25 bilhões entre 2006 e 2007 - segundo segmento da indústria que mais investiu em expansão, depois de alimentos e bebidas, segundo o BNDES. Em 2007, foram aprovados R$ 3,3 bilhões para o setor.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou recentemente que o setor investirá US$ 15 bilhões nos próximos anos para elevar a capacidade instalada de 3 milhões para 5 milhões de veículos/ano. "O setor operou com capacidade entre 60% e 70% por muitos anos. Agora, a ociosidade se reduziu a ponto de estimular investimentos", avalia Paulo Mol, economista da Confederação Nacional das Indústrias (CNI).

Ele observa ainda que 71% dos investimentos nas indústrias provêm de recursos das empresas. O restante têm como fonte financiamentos bancários e investimento estrangeiro - o que significa que os aportes na indústria podem superar em muito os pedidos registrados no BNDES. "Por isso, o empresário precisa confiar em um crescimento permanente da demanda para investir", afirma Mol.

Em geral, as indústrias conseguem ampliar a capacidade de uma fábrica em até 30% sem precisar construir outra unidade. Quando a demanda supera esse nível, a empresa tem como opções arrendar uma unidade, terceirizar parte da produção ou construir uma fábrica. "O que difere o período atual do passado é que a expansão da economia doméstica está mais duradoura e regular", acrescenta o economista da CNI.

O setor automotivo tem respondido por um terço da expansão da atividade industrial e também contribui para elevar a demanda de setores básicos, como o metalúrgico, de borracha e plástico e de máquinas e equipamentos. De fato, o uso próximo do limite da capacidade em setores básicos é o que mais preocupa, já que uma demanda explosiva provocaria alta nos preços de insumos e pressão inflacionária ao longo da cadeia.

Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), pondera que setores básicos tradicionalmente operam com nível de capacidade entre 85% e 90%, principalmente os que utilizam auto-forno, como metalurgia e papel e celulose. "Para bens de consumo, 85% de capacidade é um sinalizador para a realização de investimentos", compara.

O setor de metalurgia, que em janeiro operava com 91,4% da capacidade, recebeu R$ 5,38 bilhões em financiamentos do BNDES entre 2006 e 2007, sendo que, no ano passado, recebeu aprovação de R$ 3,4 bilhões - parte desses recursos serão aportados pelas indústrias neste ano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), os projetos já anunciados somam R$ 23 bilhões e, quando concluídos, elevarão a capacidade de produção de aço no país de 37,1 milhões para 63 milhões de toneladas por ano até 2012.

"O problema de oferta está equilibrado. Não vejo um setor da economia com margem de capacidade explosivamente alta e que não esteja fazendo investimentos", afirma Almeida. De acordo com o economista, investimentos em plantas do setor básico levam entre dois e três anos desde a construção até o início das operações da fábrica. Em outros segmentos, o prazo médio é de até dois anos. "Nesse meio tempo, as indústrias devem se manter no patamar de utilização atual", diz.

O otimismo também é válido para os setores de alimentos, químico e de borracha e plástico, que elevaram os investimentos nos últimos dois anos e operam com uma capacidade próxima a 80% - esses setores estão entre os que mais investiram desde 2006.

Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, cita como fator positivo o incremento dos aportes nos setores de energia e logística. Os desembolsos para infra-estrutura e logística saltaram de R$ 15,8 bilhões para R$ 25,6 bilhões entre 2006 e 2007. Do total, os montantes para energia elétrica dobraram, de R$ 3,2 bilhões para R$ 6,4 bilhões; para transporte terrestre, os volumes passaram de R$ 7,2 bilhões para R$ 11,5 bilhões.

Os desembolsos para energia e gás passaram de R$ 4,8 bilhões em 2006 para R$ 8,1 bilhões no ano passado. Os valores aumentam quando se trata dos financiamentos aprovados. O segmento de infra-estrutura registrou crescimento de 104% em 2007, chegando a R$ 45,6 bilhões. Em transporte, a alta foi de 68%, para R$ 15,5 bilhões e, em energia elétrica, de 207%, para R$ 12,8 bilhões.

"A aceleração de investimentos nessas áreas é um indício de que o custo-Brasil vai se reduzir nos próximos anos e pode ser um alívio para o custo das indústrias de transformação", afirma Borges. Na avaliação do economista, os aportes em energia podem dirimir os riscos de racionamento previstos para o fim da década. "Os investimentos em infra-estrutura e logística geram externalidades positivas para todos os demais setores."

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