Título: Sindicalistas já se preparam para o pós-Lula
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Fonte: Valor Econômico, 17/03/2008, Política, p. A9

Artur Henrique, presidente da CUT, na sede, em São Paulo: "Os empresários ganharam muito dinheiro nos últimos anos. Agora é o momento de repartir" Com a aprovação da lei que regularizou o funcionamento das centrais , uma vitória histórica, os sindicalistas consagraram, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, um período de conquistas, de ocupação e ampliação de poder, possivelmente sem precedente na história do país. Centrais antes adversárias se uniram para impor uma agenda dos trabalhadores. Nos cinco anos de governo, é possível apontar mais de uma dezena de conquistas, desde o estabelecimento de uma regra de longo prazo para o aumento do mínimo a uma medida provisória que trata da folga do caixa do supermercado aos domingos. Agora, preocupados com a proximidade do fim do mandato de Lula, os sindicalistas querem mais. "Nossa agenda, pensando em 2010, com o fim do governo Lula, é criar mecanismos institucionais que garantam a participação das centrais e dos trabalhadores em instâncias decisórias" , diz Artur Henrique da Silva Santos, presidente da CUT.

Numa reunião recente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as centrais se queixaram da falta de representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração das estatais. Lula se disse surpreso. Achava que a prerrogativa já existia. Como não existe, ordenou imediatamente ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que fizesse estudos para assegurar esse direito. "É uma de nossas próximas iniciativas", confirma o Ezequiel Sousa do Nascimento, secretário de Políticas Públicas de Emprego, da pasta do Trabalho.

O episódio mostra que Lula governa hoje de braços dados com os sindicatos, mas não foi sempre assim. No primeiro ano de mandato, em 2003, mesmo nomeando ex-sindicalistas para funções-chave do governo, Lula afastou-se dos trabalhadores ao adotar medidas rejeitadas pelos sindicatos, como a reforma da Previdência do setor público e a contenção de gastos e salários dos servidores, além do baixo reajuste do salário mínimo. Além disso, provocou estranheza ao montar um ministério com um banqueiro do PSDB (Henrique Meirelles), um representante do agronegócio (Roberto Rodrigues) e um dirigente da indústria paulista (Luiz Fernando Furlan).

A mudança-chave, no relacionamento com sua antiga base sindical, aconteceu em meio à crise do mensalão, quando, enfraquecido e com a popularidade em baixa, Lula recebeu apoio de seus antigos companheiros. Luiz Marinho mobilizou a CUT, central com 3,7 mil sindicatos e sete milhões de filiados, para defender nas ruas o mandato do presidente. Marinho tornou-se ministro do Trabalho e passou a ter enorme influência nas decisões de temas da agenda dos trabalhadores, derrotando, inclusive, dois ministros da Fazenda - Antonio Palocci e Guido Mantega - nas discussões sobre salário mínimo.

No segundo mandato, na tentativa de montar um governo de coalizão, Lula trouxe para dentro do governo o PDT e, com o partido, a Força Sindical, central que, segundo define o presidente da CUT, "nasceu no governo Collor, com o apoio dos empresários, para combater a CUT". Com a chegada da Força, o presidente deslocou, não sem o queixume da CUT e dos petistas, Marinho do Trabalho para a Previdência. "No início do segundo mandato do presidente, o momento mais delicado foi quando o Marinho teve que sair do Trabalho para ceder lugar ao PDT. Os representantes das centrais e alguns petistas vieram aqui e a reunião foi muito tensa", contou um ministro.

Marinho cedeu aos argumentos de Lula: ele precisava por o PDT no governo, para assegurar uma maioria parlamentar. O partido pedira o Ministério da Educação ou o do Trabalho. Como ele não queria mexer no Trabalho em andamento na Educação, teria que ser no lugar de Luiz Marinho. E assim foi.

Com a chegada de Marinho ao ministério, as centrais passaram a defender, unidas, uma agenda comum de reivindicações, mas, desde a troca do ex-presidente da CUT pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, passaram a disputar espaços de poder e, mais importante, a própria sucessão do presidente Lula. De um lado, a Força tem em Ciro Gomes (PSB), candidato do bloco de esquerda que apóia Lula, a sua aposta. Já a CUT apoiará o candidato do PT, "a ser construído", diz como diz Artur.

Na CUT, as denúncias envolvendo o ministro Carlos Lupi serviram de alerta, segundo argumentam seus dirigentes: como parte integrante do Bloco de Esquerda, o ministério estaria sendo usado pelo PDT como um instrumento da candidatura de Ciro. A Força Sindical, que é ligada ao PDT, e o Ministério do Trabalho consideram que o argumento apenas esconde o desejo oculto da CUT de retornar o Ministério do Trabalho. Nas palavras de um influente interlocutor do ministro do Trabalho, hoje "já não há disputa ideológica entre as centrais. O que há é uma disputa pela maior fatia do bolo".

A CUT se queixa de que o PDT e a Força Sindical, ao se instalarem no ministério, trataram de fazer terra arrasada da administração do antecessor, Luiz Marinho. Dos 17 Estados, segundo a contabilidade da CUT, a nova gerência o comando de 18 DRTs, as delegacias regionais do trabalho. Inclusive uma delegada do Rio que se achava ameaçada de morte. E que Lupi na realidade trocou apenas dois dos principais cargos do ministério, mantendo em seus postos o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, e o secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antônio de Medeiros, um discípulo do histórico dirigente sindical Joaquim Ferreira da Silva, que, apesar de adversário, teria ficado no cargo a pedido de Lula no Ministério do Trabalho o argumento é que a CUT costuma avaliar os outros por suas próprias atitudes no governo.

Cita-se o caso de uma ONG chamada Unitrabalho, ligada a Jorge Lorenzetti, o churrasqueiro de Lula pilhado numa operação de compra de um dossiê contra tucanos, em 2006, o chamado "Dossiê Vedoin". A entidade recebeu cerca de R$ 23 milhões, por meio de dois convênios, para produzir livros com textos que, mais tarde, a fiscalização teria comprovado que foram copiados do sitio de busca Google.

Lupi atribui ao fogo cruzado entre as duas centrais boa parte das agruras pelas quais passou nas últimas semanas, quando foi forçado a deixar a presidência do PDT para manter-se ministro. Chegou a mandar fazer um levantamento dos convênios: enquanto os partidos do "bloquinho" (PSB, PDT e PCdoB) receberam R$ 60,6 milhões nos últimos dois anos, o PT, sozinho, arrematou R$ 104,8 milhões. Lupi disse aos funcionários de seu gabinete que não tomará "nenhuma decisão" antes de ouvir o presidente sobre a sucessão. "Eu estou apaixonado pelo Lula", disse Lupi, que é brizolista, numa hora de arrebatamento.

O Planalto acompanha a crise entre as centrais. Ela vai além da disputa pela fatia do bolo entre CUT e Força. A maior preocupação é a desfiliação de associados e até a criação de uma nova central pelo PCdoB, um antigo e fiel aliado que ameça seguir o próprio caminho a partir de 2010. Mas a tensão que existe entre as centrais "não chegou aqui", assegura um inquilino palaciano.

Assim, Lupi por enquanto está assegurado no Ministério do Trabalho, e não há sombra de dúvida de que Luiz Marinho fará seu sucessor na Previdência, quando deixar o governo para se candidatar a prefeito de São Bernardo do Campo. Nas palavras de um ministro próximo do presidente, "a relação de Lula com o Marinho é a de um irmão mais velho. No momento da crise de 2005, colocou a cara à tapa. Levou a CUT e os sindicatos às ruas para defender o mandato do presidente".

As centrais têm problemas entre si, mas o sindicalismo é forte na medida em que seria possível de se esperar num partido de trabalhadores, como é o PT. Antes mesmo de a agenda das centrais avançar, os quadros sindicais foram posicionados nos principais cargos do governo. Uma pesquisa coordenada por Maria Celina D'Araújo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas indica que 45% dos cargos mais altos do governo são ocupados por sindicalistas - a população brasileira tem 14% de sindicalizados.

Com a ascensão de Lula, fundador do PT e da CUT, "passamos a ter um operário na Presidência. A interlocução melhorou muito", diz o presidente da CUT. Artur lembra que para serem recebidos no Planalto, no governo passado, certa vez os dirigentes da entidade tiveram que jogar um carrinho de supermercado com os produtos que o mínimo comprava, à época. Ou seja, um salto de qualidade grande, o que não quer dizer que suas reivindicações passaram a ser automaticamente atendidas.

Lula, na primeira conversa com os antigos companheiros, avisou que seu governo seria um governo de disputa. Os trabalhadores, portanto, teriam que brigar pelo seu naco. "Não deixamos de fazer greve. Quem mais fez greves, desde o início do governo Lula, foram os sindicatos ligados à CUT", diz Artur.

De fato, as categorias que mais fizeram paralisações foram as dos servidores públicos, dos bancos estatais e dos funcionários das empresas estatais de energia elétrica e de petróleo. As mesmas categorias que tiveram ganhos salariais no governo Lula. O que não deixa de causar um certo constrangimento a dirigentes da CUT que julgam se esta a hora de a entidade partir para uma nova agenda, deixar de lado i corporativismo e entrar na "agenda do crescimento econômico".

"O momento econômico é muito interessante. A economia brasileira está crescendo, as empresas estão lucrando", diz Artur. "Agora é o momento de repartir. Os empresários ganharam muito dinheiro nos últimos anos." Ou seja, todos os setores estão lucrando muito - bancos, indústria, comércio, agronegócio. "Está na hora de dividir esses ganhos. A melhor forma de fazer isso é colocar a agenda do trabalhador, distribuir melhor a renda."

É um tipo de agenda que pode vir a ter apoio no Congresso. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), defende que a agenda das centrais deve a partir de agora levar em conta o crescimento. Na sua opinião, é hora de discutir a participação nos lucros e resultados. Mas a agenda posta para discussão no Senado é outra, antiga, e tem como patrono o senador Paulo Paim (PT-RS): o fim do fator previdenciário e estender para todos os aposentados o salário mínimo pago ao pessoal ativo.

A agenda das centrais também inclui itens que dificilmente o governo ajudará a aprovar, como as convenções da OIT 151 (que introduz a negociação coletiva no serviço público) e a 158 (que acaba com a demissão sem justa causa); a redução de 44 para 40 horas da jornada semanal de trabalho sem redução de salário. Já a participação de um representante dos trabalhadores no conselho de administração das estatais tem grandes chances de andar com o apoio governamental.