Título: Ata mais dura do Copom tem por alvo juros futuros
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Fonte: Valor Econômico, 17/03/2008, Opinião, p. A14

A ata da reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada na semana passada, informa que o colegiado chegou a discutir uma alta na taxa básica de juros, embora a decisão final tenha sido pela manutenção da Selic em 11,25% ao ano.

O tom mais conservador da autoridade monetária não mudou substancialmente as projeções dos analistas do mercado financeiro para a taxa Selic. Eles continuam a prever, de forma majoritária, sua manutenção na próxima reunião do Copom, em abril, e nos encontros seguintes.

Para alguns observadores econômicos, mais do que indicar intenções concretas, o endurecimento do discurso do BC visa a retomar o controle sobre as expectativas do mercado financeiro. De fato, a ata teve repercussões importantes sobre os juros futuros. No dia de sua divulgação, na quinta-feira, as taxas dos contratos de "swaps" de 360 dias negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) subiram de 12,23% para 12,38% ao ano.

Os BCs têm controle direto apenas sobre os juros de curtíssimo prazo, mas o ritmo de expansão da demanda agregada é resultado das taxas de longo prazo, que são determinadas pelo mercado. Na essência, o trabalho de uma autoridade monetária consiste em influenciar os juros futuros, por meio não só do manejo das taxas de curtíssimo prazo, mas também de sua comunicação institucional e do uso de outros instrumentos, como os depósitos compulsórios.

A partir de janeiro, o BC passou a enfrentar dificuldades para evitar uma maior queda das taxas longas, que representa mais estímulo monetário. Embora o BC tenha divulgado naquele mês uma ata que descrevia um cenário de maior risco para a evolução da inflação, as taxas de juros futuras recuaram. De fins de janeiro a meados de fevereiro, os juros dos "swaps" de 360 dias caíram de um pico de 12,08% para um mínimo de 11,8% ao ano.

Na ata da semana passada, o BC reitera que vê no seu cenário básico um quadro inflacionário benigno. Entretanto, afirma que os riscos de as coisas não se saírem exatamente como o previsto se acirraram, e o descompasso entre oferta e demanda agregadas já responde por parte da aceleração recente dos preços.

O cenário benigno se traduz em uma projeção de inflação que, segundo a ata, permanece "em torno" da meta de inflação de 2008, fixada em 4,5%, e abaixo do objetivo fixado para 2008, também de 4,5%. O BC aponta, porém, dois tipos de risco à concretização desse cenário benigno. O mais importante é o interno - uma possível expansão acima do esperado da demanda agregada ou uma maturação muito lenta dos investimentos. A ata registra que há sinais de que o ritmo de expansão da demanda tenha se intensificado neste início de ano. O outro risco relevante é um eventual aprofundamento da crise internacional.

Nesse ambiente de incerteza, surge a preocupação de evitar que, por meio da queda dos juros futuros, a demanda doméstica receba um estímulo adicional. O mercado financeiro, por outro lado, passou a trabalhar com um cenário um pouco menos pessimista para a inflação, depois que saíram dados econômicos mais favoráveis nas últimas semanas.

De fato, a inflação corrente se desacelerou, passando de 0,74% para 0,54% entre dezembro e janeiro e recuando ainda mais em fevereiro, para 0,49%. Conforme a ata do Copom, a utilização média da capacidade instalada se estabilizou. Na série dessazonalizada, o indicador da Confederação Nacional da Indústria manteve-se estável em 83,1% entre novembro e dezembro e oscilou levemente, para 83,3%, em janeiro. A valorização recente do real melhorou os prognósticos inflacionários.

Quando as notícias inflacionárias se tornam favoráveis, é cada vez mais difícil para o BC evitar a queda dos juros futuros. O endurecimento do discurso, na semana passada, permitiu retomar o controle das expectativas, pelo menos num primeiro momento.

A elevação das taxas de juros longas não deixa de ser uma contração monetária indesejada, num momento em que a inflação dá sinais de acomodação. Menos mal, entretanto, se o BC conseguir retomar o pulso das expectativas apenas pelo endurecimento do discurso, evitando lançar mão neste momento de um aperto monetário, que teria repercussões mais danosas.