Título: Auto-regulação ganha espaço com respaldo da CVM
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2008, Empresas, p. B3

Maria Helena Santana, da CVM: "A auto-regulação é um dos pilares do boom que o mercado de capitais brasileiro viveu" Colocar a raposa para cuidar do galinheiro pode não parecer a melhor solução, mas a experiência mostra que pode ajudar a manter as galinhas ciscando no seu devido lugar. No mercado de capitais brasileiro, a prática da auto-regulação vem se sofisticando cada dia mais.

Os participantes do mercado vêm criando novos e cada vez mais complexos mecanismos de organização. Uma das mais recentes iniciativas de peso nesse sentido, que deve ser implantada a partir de julho deste ano, evidencia a ampliação dos limites da auto-regulação e o respaldo que ela conquistou do próprio regulador.

Conforme antecipado pelo Valor, a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) fará um convênio com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para analisar as ofertas públicas de títulos mobiliários. A idéia é que todo o material pertinente chegue já avaliado na autarquia. Luiz Fernando Resende, vice-presidente da Anbid, explica que, primeiramente, a associação avaliará as emissões de títulos de dívida. Depois, iniciará o acompanhamento das distribuições públicas de ações de companhias já listadas na Bovespa. Só então é que passará a analisar as ofertas inicias, de companhias que abrirão capital.

Na prática, esse convênio significa que os agentes do mercado alcançaram um grau tal de confiança que poderão fazer uma parte do trabalho que, até então, era feito pela CVM. "A auto-regulação não é nova no Brasil. Vem de um ciclo longo, iniciado em 1998. É um dos pilares do 'boom' que o mercado de capitais brasileiro viveu", diz Maria Helena Santana, presidente da autarquia.

A expansão citada pela presidente da CVM são as aberturas de capital ocorridas a partir de 2004. O Novo Mercado e os níveis de governança da Bovespa, também iniciativas de auto-regulação, são parte importante da explicação desse sucesso. O espaço tido como de excelência em governança da bolsa paulista conta hoje com 93 participantes. No Nível 1 há outros 44 e no Nível 2, mais 20.

Em 1998, ano citado por Maria Helena, foi lançado o código Anbid. As regras criadas pela organização, mais tarde, vieram a balizar a instrução 400 da CVM, que regula ofertas de títulos de dívida e ações.

Ser fonte de inspiração para o regulador e a capacidade de ser mais ágil são justamente os pontos da auto-regulação mais citados como positivos pelos especialistas. Gilberto Mifano, diretor-geral da Bovespa, destaca que iniciativas adotadas pelo mercado costumam ser seguidas, mais à frente, pelo regulador. "Antes, as exigências do Nível 1 tinham uma diferença maior sobre as regras obrigatórias a todos do que hoje", diz.

Além disso, complementa Mauro Cunha, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a auto-regulação tem um custo muito mais baixo. Essa economia é enfatizada também por Maria Helena. "A auto-regulação libera recursos do regulador para outras questões. E também dá conforto a respeito do cumprimento das regras", diz ela.

Mas a capacidade (ou a falta de) dos agentes auto-reguladores para fiscalizar e punir com o empenho necessário é o que mais causa preocupação no avanço desse processo. A história recente do mercado de capitais mais desenvolvido do mundo, o americano, mostra que a raposa pode sim cair em tentação. Por isso, ela também precisa de um fiscalizador.

Até as fraudes contábeis do começo da década, as auditorias não eram reguladas nos Estados Unidos. Depois dos escândalos que destruíram nomes como Enron e WorldCom, o país decidiu criar um órgão para fiscalizar os auditores.

Por isso, Edison Garcia, superintendente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), diz que o sucesso da auto-regulação depende da maturidade dos participantes do mercado. "É um processo de construção de credibilidade em que os agentes admitem que seus pares submetam penas e multas. Assim, adere-se às regras para participar de um grupo."

A avaliação, em dado momento, pode ser que as regras precisam ser mais rígidas para que a credibilidade no sistema aumente. Ser mais exigente com seu próprio grupo pode trazer ganhos para o mercado como um todo.

Além da Anbid, outras associações têm iniciativas de auto-regulação. A Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto (Abrasca) fornece regras, por exemplo, para a política de comunicação de fatos relevantes das empresas registradas na CVM. O Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), por sua vez, prepara um processo de certificação da política das companhias de relacionamento com o mercado. Segundo João Nogueira Batista, presidente do conselho de administração, a idéia é desenvolver as bases do processo neste ano para aplicar em 2009.

A contabilidade também avança no terreno da auto-regulação. Hoje as regras são conjuntamente decididas entre a CVM e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão que reúne seis entidades de mercado, das companhias abertas aos analistas de investimentos.

Há outras iniciativas de criação de códigos e parâmetros de conduta que não têm a mesma capacidade punitiva, mas que se multiplicam velozmente. Hoje, praticamente todas as grandes companhias regulam por meio de códigos de conduta e ética o comportamento de seus executivos. Os temas tratados em tais documentos vão desde o cuidado com informações sigilosas a questões ambientais e negociação com ações da empresa.

"Essas iniciativas são muito importantes pelo caráter preventivo", destaca Maria Helena. Porém, para que funcionem é preciso seriedade na adoção dos códigos de conduta pelas empresas e pelos executivos. "Não podem ser apenas instrumentos de marketing."

Na semana passada, José Guimarães Monforte, presidente do IBGC, explicou porque as medidas de auto-regulação estão mais complexas, ao lançar a primeira carta diretriz do instituto (que trata sobre independência do conselho de administração). Segundo ele, o Brasil já começa a apresentar questões e dilemas de um país com um mercado desenvolvido. Por isso, precisa que os participantes passem a discutir e debater assuntos polêmicos em profundidade. "Passamos anos divulgando melhores práticas para companhias. Agora, temos de ir além."

Não por acaso os próximos temas a serem avaliados pelo IBGC são as chamadas "pílulas de veneno", aquelas cláusulas nos estatutos das companhias que visam impedir ou dificultar tomadas hostis de controle, e os laudos de avaliação, documentos que balizam preço ou as relações de trocas de ações em casos de incorporação, cisão ou aquisição.

Resende, da Anbid, acredita que a auto-regulação do mercado brasileiro está mais avançada e à frente da organização apresentada até mesmo em países desenvolvidos. Para Monforte, do IBGC, um dos destaques do país é a coesão entre as organizações e os participantes de mercado. "As diversas associações se auxiliam no processo de formulação das regras e mesmo na fiscalização."