Título: Setor têxtil quer novo acordo com a China
Autor: Jurgenfeld , Vanessa ; Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Brasil, p. A3

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) pretende negociar com os chineses uma renovação do acordo de restrição voluntária de exportação, que estabeleceu, em 2006, limites nas vendas de artigos têxteis chineses para o Brasil. A Abit defende uma prorrogação do prazo, que vence em dezembro deste ano, e quer incluir novas categorias de produtos entre as oito que ele já abrange. O governo, por sua vez, tem alertado os empresários para que se preparem para um acirramento da concorrência chinesa.

Em dezembro, na verdade, expira o acordo firmado pelo Brasil e outros países com a China na Organização Mundial do Comércio (OMC), pelo qual foram criadas cotas de exportação para os têxteis chineses e a possibilidade de conter essas exportações com "salvaguardas especiais" em caso de crescimento excessivo.

O setor privado, em substituição ao acordo atual, mira o modelo europeu e defende a criação de um sistema de monitoramento do fluxo comercial, como recentemente foi acertado entre União Européia e China. "A UE, com o fim do seu acordo com a China em 2007, criou um monitoramento, com certificações para o controle do comércio, de forma que os registros de licença de importação tenham que ser idênticos aos registros de exportação dos chineses", explica Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit, que considera este modelo como o mínimo necessário para evitar um "surto" de importações. Segundo fontes do governo, o Brasil gostaria de ter com a China um acordo semelhante ao negociado com os europeus.

O novo formato proposto para uma reedição do acordo ainda não é revelado em detalhes pela Abit, que espera para abril uma missão chinesa no Brasil para tratar do assunto. Na interpretação de Pimentel, também existe a possibilidade de prorrogação do acordo atual por mais cinco anos, até 2013. A China, diz ele, aceitou duas cláusulas distintas de salvaguarda em seu protocolo de adesão à OMC, em 2001: uma específica têxtil (que vence em 2008), e outra geral (aplicada a qualquer produto e que vence em 2013). "Não há nenhum dispositivo que não permita aos itens têxteis e confeccionados o uso da salvaguarda geral. Por isso, terminada a salvaguarda têxtil, o setor poderá, se julgar necessário, usar a salvaguarda geral contra a China até 2013", avalia ele.

O atual regime comercial têxtil entre Brasil e China foi acordado em março de 2006, com validade até 31 de dezembro de 2008. Ele incluiu oito categorias (veludos, tecidos sintéticos, tecidos de seda, suéteres, jaquetas, fios de poliéster texturizado, camisas de malha e bordados), que somam cerca de 70 tipos diferentes de produtos e equivalem a 60% das importações do setor. O acordo foi firmado entre setores privados, com o endosso do governo dos dois países.

Embora em 2006 o acordo de restrição voluntária envolvesse 61,5% do comércio Brasil-China, atualmente ele perdeu a força, respondendo por 25% desse fluxo, segundo a Abit. Isso ocorreu, porque os importadores brasileiros o driblaram, em parte comprando artigos têxteis de outros países asiáticos. Essa perda de peso é um dos argumentos da Abit para, em uma renegociação com os chineses, incluir categorias novas.

"O governo brasileiro está preocupado com alguns setores, especialmente o têxtil", disse o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (Mdic) Welber Barral, ao Valor. Os acordos da China também previam a possibilidade de "salvaguardas especiais" contra outros produtos, mas só até o fim deste ano. "Espero realizar uma boa negociação com a China, mas, ao mesmo tempo, há a necessidade de aumentar a competitividade do setor", comenta o secretário, que transmitiu esse alerta aos industriais de Santa Catarina na última segunda-feira.

Para o presidente da Têxtil Renauxview, Armando Hess, um acordo mais abrangente seria importante pelas desvantagens de custos ainda existentes entre as indústrias dos dois países. "Somos hipertributados, com mão-de-obra mais cara, e custos de logística mais altos, agravados por um real supervalorizado", diz.

Do lado do setor varejista têxtil, que se diz prejudicado pelo acordo por afetar suas importações, uma renovação não será tão simples. Sylvio Mandel, presidente da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abeim), quer participar das negociações. Ele explica que o atual acordo restringe compras de malharia e jaquetas, segmentos que o setor varejista tem dificuldades de encontrar produtos no país. "O acordo Brasil-China mostrou-se ineficiente na proteção à indústria nacional de vestuário. Na verdade, ele apenas pune quem importa legalmente, como é o nosso caso".

O presidente do Sindicato da Indústria Têxtil do Vale do Itajaí (Sintex), Ulrich Kuhn, defende um novo acordo com regras similares às da União Européia e diz que seria importante que uma definição saísse até o meio do ano, quando começam as negociações comerciais de parte da indústria para entrega no ano seguinte.

A crescente migração de fábricas chinesas para países de mão-de-obra mais barata na Ásia reforça a urgência do alerta de Barral aos empresários. O Brasil gostaria de receber ainda em abril uma missão de negociadores chineses, mas, segundo informam diplomatas da China, a montagem da visita foi atrasada pelas recentes mudanças na cúpula do governo chinês.

Os chineses pretendem manter na pauta de conversas demanda para que o Brasil regulamente o reconhecimento da China como economia de mercado - o que tornaria mais difícil a imposição de medidas antidumping contra os chineses. O governo brasileiro insiste que, antes desse reconhecimento, é necessário que a China cumpra compromissos assumidos, como a maior abertura para importações de carne do Brasil e a redução da chamada escalada tarifária, que impõe tarifas de importação maiores a industrializados.