Título: Dependência do Bolsa Família é menor em SP
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Brasil, p. A8

Ed Viggiani/Valor Rosimeire, beneficiária do Bolsa Família, com a geladeira comprada em prestações e dois dos três filhos: programa completa renda obtida com faxinas Em dezembro do ano passado, na época do Natal, Rosimeire Maria Silva dos Santos, 40 anos, comprou uma geladeira nova. Separada há oito anos do marido, ela sustenta três filhos e cuida de um neto. O utensílio ocupa um lugar de destaque no barraco da família na Vila Nhocuné, zona leste de São Paulo. Substituiu uma geladeira muito antiga, que "estava com a porta caindo".

Beneficiária dos programas Bolsa Família e Renda Mínima, Rosimeire recebe R$ 200 por mês com a condição de manter Tainá, 11 anos, e Robert, 12 anos, na escola. Foi com esse dinheiro, com faxinas "que aparecem de vez em quando", e com a ajuda do filho mais velho - Mailcon, 18 anos, que cata ferro-velho e distribui panfletos - , que a família conseguiu adquirir o eletrodoméstico novo.

Os programas de transferência de renda têm impacto diferente em regiões como São Paulo, em comparação com áreas economicamente deprimidas do país, onde quase não existem oportunidades de trabalho. Com uma renda mensal mais estável e uma pequena folga no orçamento, alguns benefícios do Bolsa Família permitem a pessoas como Rosimeire comprar eletrodomésticos, fazer um curso de computação ou abrir um micronegócio informal.

"Na região rural, as pessoas utilizam o dinheiro para plantar ou criar animais. Nas grandes cidades, o uso é mais comercial. Pode se transformar em água e cerveja que serão vendidas em um show no parque do Ibirapuera", exemplifica Rosani Cunha, secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social. Ela reforça, porém, que a maior parte dos recursos é destinado a alimentação, vestuário e material escolar.

Pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), obtida pelo Valor, apontou que no Estado de São Paulo os programas de transferência de renda representavam menos de 25% da renda mensal para 75% das famílias beneficiadas em 2006 - ou seja, é um complemento. Para apenas 6% das famílias paulistas atendidas, os programas sociais são a única fonte de recursos. "Existe uma idéia no imaginário das pessoas de que o Bolsa é essencial para a família não passar fome", diz Felícia Reicher Madeira, diretora-executiva da Fundação Seade. "Em São Paulo, para a maioria das famílias, ele é um complemento de renda e por isso não é utilizado só na subsistência."

Os dados demonstram uma dependência menor do Bolsa Família em São Paulo. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o programa representa incremento de 49% da renda média das famílias atendidas nacionalmente. No Nordeste, esse percentual chega a 60%. Isso significa que o programa representa hoje pouco mais de 30% do dinheiro disponível para essas famílias no país, e 40% no caso do Nordeste.

Felícia acredita que a heterogeneidade de desenvolvimento do Brasil também se manifesta no impacto do Bolsa Família. Em algumas regiões, como o Nordeste, o programa é essencial para a sobrevivência. Em outras, como São Paulo, o benefício pode ser mais efetivo para romper o ciclo vicioso de pobreza. "Se a pessoa está em um lugar com acesso a educação e saúde e ganha um pouco a mais, as possibilidades ampliam-se muito", afirma.

Os dados da Fundação Seade são um extrato da Pesquisa de Condições de Vida (PCV), realizada em 2006. Por essa pesquisa, cerca de 9% das famílias paulistas eram beneficiárias de programas públicos de transferência de renda naquele ano. No Estado, o Bolsa Família tem outras peculiaridades em relação ao resto do país. A regra geral é que o valor do benefício varia conforme a renda da família. Como São Paulo é o Estado com a renda mais alta, o valor pago é menor. Cada família paulista atendida recebe do Bolsa Família, em média, R$ 67, contra R$ 74 da média nacional. O programa federal paga, no máximo, R$ 112.

Por outro lado, São Paulo é um das Estados mais caros. "O valor do Bolsa é insuficiente por conta do custo de vida", diz Floriano Pezzaro, secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura da capital. Por isso, as famílias da cidade de São Paulo têm acesso a dois outros programas: o Renda Cidadã e o Renda Mínima. Combinados, pagam entre R$ 140 e R$ 200 por família, dependendo do número de filhos.

São Paulo também é uma das cidades menos atendidas pelo programa do governo federal. Cerca de 200 mil famílias recebem o benefício na capital paulista, o que significa 30% a menos do que as 285 mil famílias que teriam direito, conforme cálculo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que faz a estimativa do número de famílias muito pobres de cada município. Em capitais como Rio de Janeiro e Maceió, a diferença entre estimativa e atendimento não chega a 5%. Dada a média de R$ 65 pagos por família pelo Bolsa por família na capital, a Prefeitura de São Paulo deixa de receber do governo R$ 5,85 milhões.

"Não acredito que seja por diferenças políticas", diz Rosani, ao ser questionada se o motivo da diferença está no fato de que o programa é do governo federal, comandado pelo PT, enquanto a capital é administrada pelo Democratas e o Estado, pelo PSDB. A secretária afirma que São Paulo optou por cadastrar as famílias casa por casa, o que reduz a amplitude da cobertura. Em algumas cidades, o cadastramento é feito no posto e as condições econômicas das famílias são conferidas por amostragem.

Pesaro diz que a prefeitura quer atingir a meta de 280 mil famílias cadastradas até maio. "É natural que demore um pouco mais, já que São Paulo é a maior cidade do país." Ele defende o cadastramento domiciliar, por conta de sua precisão. A prefeitura também optou por um programa complementar ao Bolsa, chamado Ação Família. O programa oferece benefícios como oficinas profissionalizantes e pede mais condicionalidades que presença escolar e vacinas em dia. Mas a abrangência é pequena: 60 mil famílias.

Segundo Rosani, o Bolsa Família é o programa de melhor focalização da América Latina. Também em São Paulo, o benefício chega a quem precisa. A pesquisa da Seade detectou que mais de 60% das famílias atendidas pelo programa possuem renda per capita de menos de meio salário mínimo. Apenas 9% das famílias do Estado recebem o benefício, o que significa que seu impacto econômico é muito reduzido.

"O efeito é maior nas regiões mais pobres do país, que concentram muitas famílias beneficiadas", diz Rosani. "Mas não é desprezível nas regiões urbanas, porque a pobreza está concentrada nas franjas da cidade. E a população gasta no seu entorno", completa a secretária.

Para Felícia, as particularidades do Bolsa Família reveladas pela pesquisa do Seade permitem abrir a discussão sobre o custo-benefício do programa. Ela questiona, por exemplo, se em algumas regiões os recursos não teriam melhor resultado se aplicados em programas de melhoria da qualidade do ensino, por exemplo. "É difícil ter uma resposta, mas o retorno poderia ser maior", diz ela, em referência à capacidade do Bolsa Família de permitir às famílias que rompam o limite da pobreza.

Nas zonas urbanas, como São Paulo, o impacto também tende a ser mais importante em cada família individualmente do que no conjunto. Muitas vezes, o programa ajuda a ultrapassar momentos difíceis. Foi o caso de Rosa Maria da Silva, moradora da Vila Brasilândia, na zona norte, que começou a receber o benefício em dezembro de 2006. Ela estava sem trabalhar desde 2000 e o marido também acabava de perder o emprego.

Por um bom tempo, o casal sustentou os três filhos com os R$ 90 do Bolsa Família e alguns trocados que Rosa conseguia vendendo panos de prato bordados, que aprendeu a fazer nas oficinas do programa da prefeitura. Atualmente, o marido trabalha como garçom. Na terça-feira da semana passada, quando recebeu o Valor, Rosa estava feliz, porque voltava do primeiro dia de trabalho como doméstica. Se o novo emprego der certo, sua família pode ter encontrado a porta de saída da extrema pobreza.