Título: Emenda sobre grandes fortunas une o PT
Autor: Watanabe , Marta ; Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Política, p. A9

A proposta de reforma tributária do governo federal abriu espaço para a bancada do PT apresentar a única emenda cuja proposição é alvo de consenso dentro do partido. Trata-se da instituição do imposto sobre grandes fortunas, discussão que pode ganhar apoio com uma alteração constitucional que, incluída sem estardalhaço na proposta federal de reforma, havia passado despercebida.

A proposta coloca o imposto sobre grandes fortunas entre os tributos federais que terão a receita compartilhada com Estados e municípios. Dos impostos recolhidos pela União, somente o Imposto de Renda e o IPI têm atualmente as receitas divididas com prefeitos e governadores. Previsto na Constituição Federal desde 1988, o imposto sobre grandes fortunas não foi tirado do papel porque a regulamentação por lei complementar nunca aconteceu.

A bancada do PT estuda duas formas de emplacar o tributo que é o ícone da política de Robin Hood. A primeira opção seria apresentar projeto de lei complementar para regulamentar o imposto. O texto seria negociado e votado dentro da reforma, diz o deputado Maurício Rands (PT-PE), líder da bancada na Câmara. Mas ele aposta mais na idéia de apresentar uma emenda para transformar o imposto em contribuição de grandes fortunas. Seria mantida a partilha com Estados e municípios. A mudança facilitaria a regulamentação: a contribuição só necessitaria de lei ordinária, cuja aprovação não exige maioria qualificada, como é o caso da lei complementar.

Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário da prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, acredita que a divisão do tributo sobre fortunas foi incluída na PEC justamente para viabilizar sua regulamentação. Pelo texto proposto, a União dividirá com Estados e municípios metade do que arrecadar sobre grandes fortunas: 21,5% irão para o fundo de participação de Estados e Distrito Federal e 23,5% para o fundo de participação dos municípios. Os restantes 6,6% deverão chegar a Estados e prefeituras por meio de dois outros fundos.

"Queremos trazer de volta a questão das grandes fortunas. Perdemos esta batalha em 2003 e vamos tentar aprová-la de novo", disse o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP).

Amir Khair acredita que, caso seja regulamentado, o novo imposto patrimonial poderá gerar arrecadação de 1,73% do PIB. Os cálculos foram feitos com base em relatório da Receita Federal sobre o patrimônio declarado pelas pessoas físicas em 1999 e o PIB do respectivo ano. Ele levou em consideração uma tributação de 0,8% a 1,2%. O imposto incidiria para patrimônio a partir de R$ 1 milhão.

Para Khair, a arrecadação de um imposto sobre fortunas pode viabilizar a redução da regressividade da tributação brasileira. "Pode haver corte nos impostos sobre produção e consumo, tipo de tributação injusto porque onera da mesma forma pessoas com capacidades contributivas diferentes." Para ele, caso o novo imposto proporcione elevação de carga tributária, o governo federal poderá reequilibrar o peso dos tributos com redução da contribuição sobre folha.

Para o advogado Luiz Felipe Ferraz, do Demarest & Almeida, se aprovado o imposto sobre fortunas, o Brasil estará na contra-mão da política tributária já testada no exterior. Ele lembra que na Europa apenas França, Espanha, Grécia, Suíça e Noruega cobram esse imposto patrimonial. Há vários exemplos de países que tentaram instituir o tributo, mas o aboliram, como Áustria, Dinamarca, Holanda, Alemanha, Finlândia e Luxemburgo. O Reino Unido nunca chegou a cobrar o imposto.

Para Ferraz, a cobrança de um tributo sobre patrimônio no Brasil afugentaria capital e estimularia a criação de formas para tirar os bens do alvo do imposto. "Se a idéia é tornar a tributação mais justa, então o foco deve ser a tributação da renda, que é um fluxo e não representa um valor estático como o patrimônio", diz ele. Para o advogado, a cobrança de imposto sobre patrimônio nem sempre respeita capacidade contributiva, já que os bens e direitos acumulados nem sempre geram novas rendas. "É um tributo que impõe uma penalidade a quem acumula patrimônio, já que tributa a renda e também o bem acumulado com a renda obtida e já tributada."

Para Khair, não há contradição em tributar a renda e o patrimônio. "Assim como hoje se tributa a renda e ainda se paga imposto predial e também o IPVA", argumenta. "O imposto não deu certo em vários países da Europa, mas pode dar certo no Brasil. Só saberemos se o testarmos."

Exemplo clássico de tributação sobre o patrimônio, a França cobra o "impôt de solidarité sur la fortune" para patrimônios líquidos acima de 770 mil euros. As alíquotas vão desde 0,55% até 1,8%. O patrimônio líquido é o resultado dos ativos menos passivos. A contabilização do patrimônio alcança os bens dos parceiros e das crianças menores que estão sob sua guarda. Em 2007 o tributo sobre fortunas rendeu 4,42 bilhões de euros ao Fisco francês. O imposto representa 1,5% da arrecadação francesa. Estão isentos alguns ativos relacionados à atividade profissional das pessoas físicas.

Apesar de a proposta governista ter aberto espaço à emenda petista, com a previsão de compartilhamento de receita, há divisão na equipe econômica sobre o impacto da proposta na negociação de pontos considerados mais importantes, como o fim da guerra fiscal e a criação do IVA Federal.

A decisão de apresentar emenda sobre o imposto foi anunciada pela bancada do PT ao ministro Guido Mantega na reunião de ontem. O ministro não omitiu opinião sobre o imposto de grandes fortunas. Apenas reiterou a legitimidade da bancada em apresentar emendas à reforma tributária.

O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), também lembrou que o governo vai focar no núcleo da reforma. "O governo optou por um núcleo que considera estrutural e fundamental para a reforma tributária. As demais questões cabem ao parlamento e aos partidos debaterem", afirma Fontana.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), confirma que a questão não está entre as prioridades do governo. Ele esteve na reunião com Mantega. Pretende debater com o governo os pontos considerados "indiscutíveis" na avaliação do Planalto. "Não me parece que o imposto sobre fortunas seja uma prioridade", diz.