Título: Fogo amigo
Autor: Moraes , Alfredo N. P.
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Opinião, p. A12

Estupefatos. Foi assim que os que lutaram pela migração do mercado de títulos brasileiros do exterior para o Brasil se sentiram diante da medida que resultou na imposição de IOF sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa no Brasil. Desde 2005, quando lançou o estudo denominado Dívida Pública - Participação do Investidor Estrangeiro, a Andima vem defendendo a isenção para investidores não-residentes no país do Imposto de Renda incidente sobre aplicação em títulos públicos federais, e que o mesmo tratamento fosse estendido aos títulos corporativos.

Com grande visão e senso de oportunidade, o governo Lula contemplou este pleito em junho de 2006, quando a então Medida Provisória nº 281, editada em fevereiro, foi transformada na Lei nº 11.312. Foi uma decisão extremamente benéfica, pois retirou encargos que puniam o investidor externo sempre que optava por operar em nosso país, permitindo que nós, agentes dos mercados financeiro e de capitais, conseguíssemos, gradativamente, atrair os estrangeiros para se juntar aos brasileiros e negociar em nossos domínios.

Através desse esforço, criamos um mercado com mais liquidez, melhores preços, maior robustez, confiabilidade e, principalmente, gerador de empregos e soberano sobre suas regras e procedimentos. Ponto para todos os envolvidos, que souberam transformar boas iniciativas em ganhos concretos para o país.

De fato, pode-se comprovar que a isenção concedida aos não-residentes colaborou para a melhora do perfil da dívida pública interna. Confrontando-se os dados de janeiro de 2008 com o mesmo período de 2006, observa-se que a parcela dos títulos atrelados à taxa Selic recuou de 49,48% para 34,77%, enquanto a dos prefixados e a dos corrigidos por índices de preços aumentaram de 26,7% para 34,92% e de 19,15% para 27,22%, respectivamente. O prazo médio das emissões em oferta pública de papéis prefixados cresceu de 20,77 para 22,64 meses, e o dos indexados, de 43,96 para 78,56 meses, elevando a duration da dívida no período.

Segundo estimativas do próprio Tesouro Nacional, a participação dos investidores estrangeiros no total da dívida pública, inclusive por meio de fundos de investimento, que em janeiro de 2006 era de apenas 0,74%, atingiu 4,71% em janeiro de 2008, totalizando US$ 20,5 bilhões, eminentemente em títulos prefixados e atrelados a índices de preços. Os investidores estrangeiros também têm concentrado suas aplicações em títulos de longo prazo, acima de cinco anos no caso dos papéis indexados. Em contrapartida, observa-se uma menor colocação de títulos corporativos e soberanos no mercado internacional, o que aponta no sentido do fortalecimento do mercado de títulos doméstico.

Não restam dúvidas de que a demanda pelos investidores estrangeiros para a ponta longa da curva de papéis prefixados e indexados a preços vem auxiliando a Autoridade a reduzir o trade-off entre custo e prazo. É inequívoca, portanto, a contribuição desses agentes para a melhora do perfil do endividamento público e para a formação da estrutura a termo das taxas de juros.

-------------------------------------------------------------------------------- A imposição deste IOF sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa deve ser revista para viabilizarmos o mercado de ativos brasileiro --------------------------------------------------------------------------------

Mas, se o resultado foi o desejado e os números confirmam isto, por que mudar? Para evitar a entrada de recursos estrangeiros e com isto impedir o "derretimento do câmbio"? Confesso que não entendi. Todos sabemos que, antes de termos removido as assimetrias de regras entre operar no Brasil e no exterior, o que se via eram empresas, bancos e o Tesouro Nacional emitindo papéis no exterior, inclusive em reais, e trazendo os recursos para cá - ou seja, a entrada se dava do mesmo jeito, só que por meio do brasileiro, que por sua vez, se endividava lá fora perante o estrangeiro. Diante do arcabouço que ora recriamos, tudo indica que é isto que voltará a ocorrer.

O grande influxo de recursos externos para o Brasil na conta de capital, como já amplamente sabido, é reflexo da excelente relação risco x retorno, que nosso país oferece. Pagamos juros básicos estratosféricos e temos fundamentos absolutamente sólidos. Qualquer chicana que coloquemos não abala esta realidade avassaladora.

Então, nada a fazer? Claro que não. O desafio que temos é cristalino: como reduzir o juro sem provocar uma explosão inflacionária na demanda. Esta é a solução sobre a qual devemos nos debruçar, pois propicia melhores condições para o investimento, ao mesmo tempo em que impede o sacrifício do câmbio e, por conseqüência, dos mercados internacionais para produtos brasileiros, duramente conquistados ao longo dos últimos anos.

Não caiamos no canto da sereia dos que propõem artificialismos como solução para problemas. A engenhosidade do ser humano está a serviço do contorno de restrições, permitindo que a vontade de uns encontre a necessidade de outros. Nenhum governo, nem os autoritários, consegue vencer esta lógica.

Com a humildade de quem comunga dos mesmos ideais do atual governo, ou seja, construir um país melhor para os que aqui trabalham e vivem, pedimos que a imposição deste IOF sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa seja revista, não para dar-lhes um benefício, mas sim para viabilizarmos um mercado de ativos brasileiro, operado em ambiente brasileiro e, se possível, por brasileiros.

Vamos exportar mercadorias e serviços, não mercados.

Alfredo Neves Penteado Moraes é presidente da Andima - Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro.