Título: Fed anima ações ao reduzir o juro para 2,25% e indicar novos cortes
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Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Finanças, p. C2

O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, continuou seu ataque ao aperto de crédito com um profundo corte de juros e deu indicações de novos cortes à frente. O de ontem foi menos do que os mercados financeiros queriam. Mas as bolsas subiram mesmo assim, um sinal de que os esforços do Fed podem estar tendo impacto. A divulgação de lucros de dois grandes bancos de investimentos também ajudou a animar as bolsas.

O Fed cortou sua meta para os juros de curto prazo em 0,75 ponto porcentual, para 2,25% ao ano. Não foi o corte de um ponto que os mercados vinham esperando, o que acabou sendo a maior decepção que o Fed deu aos mercados desde que começou a cortar as taxas, em setembro. A decisão também é vista como um sinal de que, preocupado com a inflação, o Fed espera que a tarefa de estimular o crescimento recaia mais sobre outras de suas iniciativas.

Por pelo menos um dia os investidores se animaram. A Média Industrial Dow Jones subiu 300 pontos antes do anúncio devido à crescente convicção de que os esforços prévios do Fed para canalizar dinheiro para os mercados de crédito por meios não convencionais funcionariam. O índice perdeu metade desse ganho logo depois do anúncio do Fed, às 15h15, horário de Brasília, mas voltou a subir e fechou em alta de 3,5%, a 12.392,66 pontos.

Ações do setor financeiro subiram ainda mais. As do Lehman Brothers Holdings, que estava sob pressão devido aos temores de que outras firmas poderiam parar de fazer negócios com ele, subiram 46%, e as do banco Goldman Sachs, 16%. Ambas divulgaram lucros do primeiro trimestre fiscal que, embora mais de 50% menores do que os de um ano atrás, foram melhores do que se esperava.

O dólar bateu novos recordes negativos contra o euro, mas recuperou-se um pouco depois do anúncio do Fed. A moeda americana tem caído bastante nos últimos dias porque investidores no mundo todo questionam a disposição do Fed de combater a inflação. Essa preocupação tem canalizado dinheiro para ouro, petróleo e outras proteções contra inflação. O petróleo caiu brevemente depois do anúncio, mas acabou subindo US$ 3,74 por barril para fechar a US$ 109,42.

Embora menor do que se esperava, o corte de juros é grande. Foi apenas a segunda vez que o Fed cortou tanto desde que começou a anunciar as mudanças de juros, em 1994. O banco central já cortou as taxas em três pontos desde setembro, o ritmo mais acelerado em décadas.

É um reflexo da velocidade com que a queda do mercado imobiliário e das hipotecas de alto risco, ou "subprime", evoluiu para um aperto de crédito que está enfraquecendo instituições financeiras e tornando mais difícil para um grande número de empresas e famílias, não apenas as de crédito ruim, tomar dinheiro emprestado. A maioria dos economistas agora pensa que os EUA estão em recessão, e o debate passou a ser qual a sua profundidade.

Reconhecendo isso, o Fed deu sinais em seu comunicado pós-reunião de que mais cortes continuam em consideração. "O panorama (...) ficou mais fraco", disse o anúncio. "O consumo enfraqueceu e o mercado de trabalho também. Os mercados financeiros continuam sob considerável estresse, e o aperto das condições de crédito e o aprofundamento da contração imobiliária devem pesar sobre o crescimento econômico." A nota acrescentou que "riscos de queda do crescimento continuam" e, em resposta, o Fed vai "agir prontamente quanto necessário".

No entanto, o Fed tem cada vez mais chegado à conclusão de que só juros mais baixos não vão restabelecer a ordem no mercado financeiro e prevenir uma recessão mais severa. O banco lançou mão de medidas mais criativas e agressivas para injetar dinheiro em áreas do mercado nas quais normalmente não opera, o que culminou com a decisão tomada domingo de emprestar dinheiro a bancos de investimento pela sua "janela de redesconto", privilégio reservado antes só para bancos comerciais. O presidente do Fed, Ben Bernanke, também declarou publicamente apoio ao uso de recursos públicos para conter uma enxurrada de inadimplências e execuções judiciais no mercado imobiliário.

O presidente do comitê bancário do Senado, Chris Dodd, disse que o Fed está "acabando com as páginas de sua cartilha para tratar da crescente crise de crédito e confiança" e pediu que o governo seja "igualmente agressivo" e apóie uma proposta dos democratas para que a Federal Housing Administration, agência do governo americano que oferece seguro a hipotecas, garanta US$ 400 bilhões em financiamentos imobiliários de recebimento duvidoso e salve da execução judicial cerca de 2 milhões de mutuários. Há sinais de que a Casa Branca, que até agora resistiu ao uso de dinheiro público, esteja pronta para um acordo.

O Fed mostrou mais preocupação com os preços do que antes da sua reunião de 30 de janeiro. "A inflação tem sido elevada e alguns indicadores de expectativa de inflação subiram", argumentou. Apesar de o banco ainda esperar que a inflação baixe à medida que os preços de commodities se estabilizem e o aumento do desemprego iniba altas de salários e de preços, a autoridade monetária afirmou que a "incerteza sobre o panorama inflacionário aumentou. Será necessário continuar a monitorar cuidadosamente o desenvolvimento da inflação'.

Com a economia continuando a enfraquecer, o Fed permanece preocupado com o que algumas autoridades descrevem como um "círculo de realimentação adversa" de fraqueza econômica, crédito mais apertado e mais enfraquecimento. Então, é provável que ele baixe outra vez os juros.

Mas o nível de preocupação com a inflação no comunicado sugere que o Fed acredita que o ciclo esteja perto de bater no chão, abrindo espaço para a recuperação. Alguns analistas especulam que o banco pode cortar os juros antes da sua próxima reunião, marcada para 29 e 30 de abril, mas isso é improvável, a menos que o panorama ou os mercados piorem muito antes disso.