Título: O que está à vista
Autor: Machado, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2011, Economia, p. 12

Mapa do ajuste: juros, crédito e gasto fiscal alinhados esfriam a demanda. E a inflação corta renda

O anúncio do corte de R$ 50 bilhões de despesas públicas este ano não é para ser lido literalmente. A multidão de céticos quanto aos anúncios de redução de gasto pelos governos, pois nenhum, a rigor, afora em 2003, pisou algum dia no freio, encontrou na omissão do detalhamento das rubricas tesouradas apoio para o pé atrás.

Isso ficou para a semana que vem, quando será anunciado o decreto de reprogramação do Orçamento federal de 2011. E, pragmaticamente, após a votação pela Câmara do projeto que aumenta o salário mínimo para R$ 545. Centrais sindicais e um pedaço da base aliada querem R$ 560, enquanto a oposição apresentou proposta que eleva o mínimo para R$ 600, pondo azeitona na empada do governo Dilma Rousseff.

Como boa parte do corte anunciado incide sobre gastos projetados, as emendas de parlamentares criando gastos nos estados são as mais sujeitas à tesoura dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior. Números preliminares indicam que, do total de R$ 21 bilhões de emendas enfiadas pelos parlamentares no orçamento fiscal, R$ 18 bilhões poderão ser tosquiados.

Deputados chamados esta semana pelos negociadores políticos do governo para serem informados sobre tais ajustes estão convencidos de que não haverá corte, mas contingenciamento, o que significa a possibilidade de liberação de suas emendas mais adiante, conforme o ritmo da arrecadação e a situação da demanda em relação ao seu impacto sobre a trajetória da inflação. Mantega disse o contrário.

Em entrevista à imprensa, admitiu que os cortes poderão vir a ser abrandados, mas, neste caso, as verbas dos gastos não realizados seriam canalizadas ou para o superavit primário ou para o programa de investimentos do governo. A conferir. Parece mais bode na sala para negociações futuras com os partidos da base aliada.

Tais considerações permeiam o ajuste fiscal, expressão que Dilma não gosta e Guido chamou de consolidação. Ajuste ou consolidação, a ideia é usá-lo para reduzir a demanda agregada na economia como elemento subsidiário da política anti-inflacionária.

Imagina-se que a desaceleração do gasto público ajudará o Banco Central a convergir a inflação à meta anual de 4,5%, estando até o mês passado com variação de 5,99% ¿ e subindo pelo choque de preço dos alimentos e alguma pressão de demanda ¿, sem ter de elevar os juros básicos além do que projeta em seus cenários: de 10,75%, em dezembro último, até 12,25% a 12,50%, nos próximos meses.

Razões do superavit É essa a importância imediata do superavit primário, o destino do dinheiro que o governo vier a economizar: tirar demanda, e não bem reforçar a solvência fiscal, que deixou de ser problema na agenda da economia. A intenção é que tal superavit chegue a 2,9% do PIB.

Problemas são a inflação e os deficits externos, ambos resultando do crescimento da demanda em descompasso com o ritmo da produção doméstica, levando o gap da oferta a ser ocupado por importações.

Além disso, juros elevados e liberdade de trânsito dos fluxos de capitais favorecem o ingresso do hot money, o que contribui para apreciar o real, deslocando as exportações. E mais: o real ¿forte¿ estimula a ¿internacionalização¿ das cadeias produtivas, o que, um dia mais, um dia menos, expelirá a produção nacional do mercado.