Título: Mendes diz que foro privilegiado garante governabilidade
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Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Política, p. A10

Gilmar Mendes durante sabatina: "Sem o foro o presidente Lula teria que depor em todas as delegacias" Em sabatina, ontem, no Senado, o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, defendeu o foro privilegiado, atacou os grampos ilegais, pediu a revisão do modelo de edição de medidas provisórias e ressaltou que o tribunal não quer substituir o Legislativo nas grandes questões nacionais.

Mendes disse que a prerrogativa de foro, pela qual senadores, deputados federais, ministros de Estado e o presidente da República só podem ser julgados pelo STF, é uma "garantia de governabilidade". "Eu não vejo como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia sair pelo Brasil afora sem a prerrogativa de foro. Ele teria que depor em todas as delegacias."

Para Mendes, o foro privilegiado é associado equivocadamente à idéia de impunidade. "Não teríamos este desfecho no caso do mensalão se não fosse o foro que levou o caso para o STF", disse, referindo-se à aceitação da denúncia dos 40 réus do escândalo do mensalão pelo Supremo, em agosto passado. "Se fosse para um juiz qualquer, teria gerado toda a índole de 'habeas corpus' e hoje estaríamos perplexos."

O futuro presidente do STF qualificou o problema das sucessivas edições de medidas provisórias como um "tema extremamente complexo e mal resolvido". Mendes foi visto como o grande responsável pela edição de medidas provisórias durante o governo Fernando Henrique Cardoso, onde trabalhou na Casa Civil, entre 1996 e 2000, e no comando da Advocacia-Geral da União, ente 2000 e 02. "Se eu fosse falar sobre a pintura da Capela Sistina, me perguntavam sobre MPs", ironizou. Mas, na época, houve, segundo Mendes, "crises seríssimas" envolvendo a estabilidade da moeda e, em muitas ocasiões, a única solução foi a edição de MPs. Hoje, o Congresso vive o problema de trancamentos sucessivos da pauta por causa de MPs que não foram votadas. A solução, para Mendes, está na redução das MPs. "Houve proposta de limitar o número de MPs por ano, de 6 a 12", exemplificou.

Gilmar Mendes afirmou ainda que o Supremo não pretende substituir a atuação do Congresso. Ele admitiu que o STF errou ao demorar para julgar a cláusula de barreira - lei pela qual os partidos que não alcançassem determinados patamares ficariam sem representação no Congresso. A cláusula foi aprovada em 1996 para valer a partir de 2006, mas foi derrubada pouco antes de entrar em vigor pelo Supremo. Já no caso da fidelidade partidaria, Mendes disse que o STF havia sinalizado que os mandatos são dos partidos políticos num julgamento realizado em 1989. "Não temos a pretensão de substituir o Legislativo, pois sabemos que a atividade política é essencial numa democracia."

Mendes disse que o Senado possui uma "relação peculiar" com o STF, pois cabe ao primeiro derrubar lei considerada inconstitucional pelo segundo. Como isto não acontece, as decisões do STF acabam valendo apenas para os processos específicos em que a lei foi contestada. Ele deu o exemplo de um juiz do Acre que não aceita as decisões do STF de conceder progressão de pena para pessoas condenadas por crimes hediondos ao regime de prisão fechado.

Mendes afirmou ser contrário à proposta de tornar inelegível o político que responder a inquérito na Justiça. Isso faria com que muitos inquéritos fossem instaurados especificamente para retirar candidatos das eleições. "Isto poderia levar a uma hecatombe política."

A interceptação telefônica é, segundo ele, uma questão mal resolvida. "O grampo é crime e, às vezes, o juiz que autoriza (o grampo) não fiscaliza." No ano passado, vários ministros do STF admitiram a suspeita de estarem sendo grampeados.

Mendes foi sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado para o cargo de presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão de controle do Judiciário. Para ele, o CNJ assim como o Supremo só deve julgar grandes causas. Ele criticou o excesso de casos individuais que chegam ao CNJ. São casos que, deveriam, segundo Mendes, parar nas corregedorias para que o CNJ não vire um "grande muro de lamentações". "Não cabe ao conselho dar resposta para cada angustia tópica que mora em cada processo."

Gilmar Mendes considera que o CNJ não fere a independência do Judiciário, mas, pelo contrário, protege a Justiça, pois permite uma análise de seus problemas e o planejamento de sua gestão.

Mendes disse que antes da criação do CNJ os tribunais não se comunicavam, funcionando como "ilhas isoladas", e também não sabiam quantos processos possuíam para julgar. A partir da criação do novo órgão, o Judiciário conseguiu elaborar estatísticas e, com isso, iniciar um planejamento para a gestão de processos e de pessoal.

Desde que o CNJ passou a funcionar, em 2005, a sua Presidência é ocupada pelo presidente do Supremo. Após a sabatina, Mendes recebeu 21 votos favoráveis. Não houve nenhum contrário e nenhuma abstenção. Ele deverá assumir a Presidência do CNJ na semana que vem e a do STF em 23 de abril. Em ambos os casos, ele substituirá a ministra Ellen Gracie que deverá ser indicada pelo presidente Lula para a Corte Internacional de Haia.