Título: Democracia e salário mínimo
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2011, Opinião, p. 14

A Câmara dos Deputados deve votar na quarta-feira o projeto encaminhado pela presidente Dilma Rousseff que institucionaliza a fórmula de reajuste anual do salário mínimo. Acordo entre as lideranças do governo e dos principais partidos de oposição prevê a apreciação da matéria em sessão extraordinária, sem obstrução. O texto preserva a regra praticada desde 2007, a partir de acordo firmado pelo presidente Lula com as centrais sindicais. Prevê a manutenção da política de valorização do piso legal da remuneração do trabalho, por meio da reposição da inflação do ano anterior, acrescida de aumento real, com base no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Essa regra, tão logo aprovada, será aplicada imediatamente, ou seja, vai fixar em definitivo o valor do salário mínimo deste ano e pode dar fim a uma das mais delicadas questões enfrentadas pelo novo governo. O problema é que, mantida a regra, o reajuste de 2011 não terá aumento real, já que a variação do PIB em 2009 foi negativa. Centrais sindicais têm pressionado em favor da concessão de um ganho real, ainda que a título de adiantamento, já que o crescimento da economia em 2010 ¿ que será a base de cálculo do reajuste do mínimo em 2012 ¿ deve ter ultrapassado os 7%. Dilma não cedeu. Coerente com a manutenção da fórmula que agora propõe transformar em lei, a presidente fixou em R$ 545 o valor do salário mínimo, corrigido apenas pela inflação e com pequeno acréscimo a título de arredondamento.

Faz sentido a proposta do governo, que acaba de anunciar corte de R$ 50 bilhões nas despesas previstas no Orçamento Geral da União para 2011. Iria na contramão dessa medida de austeridade, destinada a recolocar as contas públicas nos trilhos da responsabilidade fiscal e do controle prioritário da inflação, a adoção de reajuste acima da regra, como querem os sindicatos. O compromisso com a estabilidade econômica, reiterado por Dilma desde a posse, deve estar acima das pressões políticas e da tentação de angariar simpatias. Até porque depende do dever de casa benfeito a manutenção do poder de compra dos salários e a continuidade do processo de inclusão social e econômica das classes de menor renda, por meio da oferta de empregos e da valorização do salário mínimo.

É democrático e construtivo ouvir representantes da sociedade civil organizada na fase de elaboração de projetos e de formulação de políticas. É nesse nível que devem ser consideradas as centrais sindicais e as entidades empresariais. Afinal, o Brasil não é uma república sindicalista e já passava da hora de colocar as coisas no devido lugar. A presidente não deixou de ouvir as centrais. Mas delas não obteve apoio para a sua proposta nem ouviu argumentos consistentes para mudá-la. Fez bem em mantê-la e, melhor ainda, em evitar o autoritarismo desrespeitoso das medidas provisórias. Com isso, o Congresso Nacional ganhou mais uma oportunidade de resgatar um de seus papéis mais importantes: dar voz a opiniões divergentes em busca do consenso a respeito de questões polêmicas e que têm a ver com a gestão das contas públicas e com a economia do país. O voto da maioria dos representantes do povo produzirá a versão final. Espera-se que seja a melhor para o país.