Título: Cinco anos depois, EUA nada têm a comemorar no Iraque
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Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Opinião, p. A14

Cinco anos se passaram desde que tropas americanas invadiram o Iraque e o país ainda é hoje um dos locais mais violentos e perigosos do mundo. A estabilização política e a normalização das relações sociais continuam sendo objetivos distantes, apesar da presença armada de 160 mil soldados dos Estados Unidos e exércitos menores de países aliados, e das novatas forças de segurança iraquianas. Com a invasão, o governo George W. Bush sofreu uma derrota diplomática travestida inicialmente de uma aparente vitória militar. Aconteceu o que era previsto - o Iraque foi fácil de ocupar, mas tornou-se um inferno permanecer nele, como mostram as 4 mil mortes de soldados americanos e outros 30 mil feridos.

Os EUA gastaram US$ 500 bilhões até agora no Iraque - ou seja, o equivalente a um Produto Interno Bruto do país por ano. Estimativa do comitê de orçamento do Congresso coloca a conta em US$ 1,3 trilhão a US$ 2 trilhões em 2017. Essa bilionária máquina de guerra não conseguiu até agora pacificar o território. A produção de petróleo continua alvo de sabotagens e ataques, embora tenha atingido 2 milhões de barris - antes da invasão, eram 2,5 milhões.

Receitas importantes e crescentes começaram a irrigar os cofres nacionais, especialmente com a forte elevação dos preços do petróleo, mas os políticos iraquianos estão longe de um consenso sobre como distribuir essa riqueza. Informalmente, as receitas petrolíferas estão sendo repartidas entre as províncias. O Congresso não chegou a nenhuma decisão e seus 275 membros estão divididos a respeito. As províncias sunitas não têm petróleo, as curdas e xiitas têm, e a questão é ainda mais complicada. Alguns blocos xiitas, entre eles o de Moqtada al-Sadr, líder da temível brigada Mahdi, arregimentaram quase 100 deputados para que defendam a centralização desses recursos pelo governo central, em Bagdá.

Politicamente, os avanços vêm a conta-gotas, mas ocorrem. Recentemente, o Congresso aprovou as eleições provinciais, que mudarão um pouco a correlação de forças nas cidades e Estados. As últimas, realizadas em 2005, foram boicotadas pelos sunitas, que podem agora se acomodar no jogo político. O Congresso conseguiu também votar um orçamento e anistia para insurgentes, especialmente sunitas, facção que detinha o poder quando o ditador Saddam Hussein governava o país.

Estabilidade significa fim da violência e ela está longe de acontecer. As tropas dos EUA mudaram de tática e foram acrescidas de 30 mil soldados no primeiro semestre do ano passado. Os xiitas da brigada Mahdi aceitaram uma trégua e importantes facções sunitas se aliaram contra o bando sanguinário da Al Qaeda, o que diminuiu sensivelmente o número de ataques e atentados. Ainda assim, o preço em vidas humanas permanece elevado. As estimativas sobre o número de mortes desde a invasão variam de 100 mil a 150 mil. Em janeiro deste ano, a violência matou 767 pessoas, mais de 190 por semana e, mesmo assim, foi o menor número de cadáveres desde dezembro de 2003. Quatro milhões de iraquianos migraram internamente ou para fora do país, cerca de 15% da população, estimada em 27 milhões.

Os EUA concentraram seus esforços em Bagdá, com êxitos palpáveis. Mas a cidade está rigorosamente desenhada com guetos sunitas e xiitas. O resto do país está dividido em uma miríade de regiões governadas por milícias locais, curdas, xiitas, sunitas e tribais, com graus de violência variados.

Tudo somado, o Iraque está longe dos padrões de normalidade, mesmo para os vigentes no instável Oriente Médio. A política de Bush foi rejeitada pelo mundo e pelos americanos. As eleições nos EUA podem mudar as formas de como se atingir a paz no Iraque. Militarmente, porém, é pouco provável que os EUA se desengajem, caso vença Barack Obama ou Hillary Clinton, que acenaram com o início da retirada das tropas no curto prazo. E é certo que a presença americana se estenda por muitos mais anos se o vitorioso for John McCain. A política de Bush para o Iraque foi a amostra sangrenta da estratégia de unilateralismo inspirada pelos neo-conservadores. Suas idéias de transformar o país em uma vitrine democrática, que iniciaria as mudanças nessa direção em todo o Oriente Médio, foi uma delirante farsa autoritária.